Vida de Santo Inácio de Loyola 4: Escritos de sua vida interior...


E então, que coisas pregais? perguntou curioso o frade dominicano da Igreja Santo Estêvão de Salamanca.  
-      Nós não pregamos; apenas falamos com algumas pessoas, familiarmente, sobre as coisas de Deus....
-      Quais as coisas de Deus que pregais, pois é isto que queríamos saber, disse furtivamente o frade.
-      Falamos ora de uma virtude ora de outra e sempre louvando; ora de um vício ora de outro e aqui repreendendo...
-      Vós não sois letrado e falais de virtudes e de vícios; ora, destas coisas só se pode falar de duas maneiras: ou por letras ou pelo espírito Santo. Não por letras, ergo pelo Espírito Santo. E é este ponto do Espírito Santo que gostaríamos de saber.

A pesar do silogismo, é falso dizer que só podem falar de Deus os letrados ou os iluminados. Inácio não era ingênuo, e sentiu que lhe estavam preparando uma cilada. Não gostou desse tipo de conversa e não quis falar mais sobre esse assunto. Ficou lá três dias e, depois, foi levado para uma cadeia comum. 

O Vigário do Bispo veio examiná-lo, e Inácio entregou-lhe prontamente o que mais amava: os Exercícios Espirituais, para que os avaliasse. Os juízes não se atreveram a condenar nada, e só lhe pediram para não determinar o que é pecado mortal ou venial... Inácio era leigo, mas percebeu que lhe fechavam a boca para ficar quieto, e não ajudar mais os outros....
            
Inácio nunca foi um acadêmico e, menos ainda um letrado. Ele era um mistagogo... e ajudava os outros a adentrar no mistério de Deus. 

Alguém definiu o povo basco como pessoas "de poucas palavras e de grandes obras". Em Inácio, as obras eram suas palavras, e como todos os de sua terra, dava enorme importância às palavras pronunciadas, longamente meditadas, antes de serem ditas. Sabia que a palavra definia as pessoas. E era por meio da "palavra" escrita e concretizada, que realizou a maior parte do seu apostolado. 

O povo basco mais que intelectual ou contemplativo, é um empreendedor. Inácio, como bom basco, era de poucas palavras. Bem antes de sua conversão, pensava em "fazer grandes coisas pela dama dos seus pensamentos". Após sua conversão, esse sentimento se traduziu por querer "ajudar o próximo". Nasce, assim, seu ideal de "serviço" que outra coisa não é do que a sublimação e enfoque positivo daquele “querer fazer". 

Mesmo não sendo letrado, Inácio de Loyola deixou-nos alguns escritos espirituais importantes:

1. Antes de sua conversão, e provavelmente no Castelo de Arévalo, Ínhigo escreveu um poema em honra de São Pedro. Esse escrito se perdeu.

2. Em Loyola, “pôs-se a escrever um livro com muita diligência... O livro teve 300 folhas... Traçava as palavras de Cristo com tinta vermelha; as de Nossa Senhora, com tinta azul. O papel era liso e com linhas, e a letra caligráfica, pois era bom escrevente”. Por desgraça, esse escrito também se perdeu.

3. O Pe. Laínez, companheiro do santo, afirma que houve um tempo em que Inácio se pôs a escrever um tratado sobre a Santíssima Trindade.Não sabemos mais nada sobre esse escrito. 

4. Os“Exercícios Espirituais” éo livro que mais influência teve na transformação de pessoas e estruturas, nas mais diversas partes do mundo. Esse livrinho, não mais do que 130 pequenas páginas, apresenta uma metodologia própria que permite percorrer um caminho interior que vai do “próprio eu” para um “eu” mais livre, profundo e comprometido. Em etapas diferentes, chamadas de “Semanas”, o exercitante toma consciência do que é e do que é chamado a ser. No final dessa experiência (30 dias intensivos ou 9 meses exercitando-se, por mais de uma hora cada dia), o exercitante notará em si uma nova sensibilidade que o permitirá encontrar Deus em tudo e todos, fazendo-se um “contemplativo na ação”. Nestes quase 500 anos que já se passaram, são muitos os que experimentam os efeitos positivos desta “mistagogia” que brota dos Exercícios Espirituais.

5. Relação da sua viagem à Terra Santa, em 1523. Documento perdido. 

6. Dois breves Diretórios de Exercícios

7. A Deliberação dos primeiros companheirostida em Roma, em 1539. 

8. A Fórmula do Instituto, documento fundacional da Companhia, apresentado ao Papa Paulo III pelo Cardeal Contarini, no dia 3/SET/1539.

9. Relação da sua eleição como Geral da Companhia e a primeira profissão na basílica de São Paulo Fora dos Muros, no dia 22/ABR/1541.

10. Deliberação sobre a pobreza, pelo terceiro modo de eleição.

11. Diário Espiritual. Só se conserva o que escreveu entre os dias 2/FEV/1544 a 27/FEV/1545.

12. Constituições da Companhia de Jesus. Obra magnífica na sua forma, é mais uma experiência espiritual do que um manual jurídico ou programático dos jesuítas. Elaboradas nos últimos anos de sua vida (1547-1550), as Constituições são o corpo dado ao Espírito para que faça sua obra por meio dos novos companheiros de Jesus. 

13. Diversas Regras. 

14. Cartas e instruções. Ainda se conservam aproximadamente 7.000 delas.

15. Autobiografia, ditada em Roma por Inácio ao Pe. Gonçalves da Câmara, em 1553 e 1555. O Pe. Nadal definiu a autobiografia de Inácio como seu “testamento espiritual”. De fato, não há melhor testamento do que a própria vida! O que interessa é “como Deus o dirigiu, desde o início da sua conversão!É uma sabedoria dizer como o Senhor nos ajuda até nas próprias contradições... 


texto da Autobiografia teve uma história sofrida. Após a morte de Inácio e entre 1556 e 1567, correram algumas cópias manuscritas e uma tradução em latim do texto do Pe. Câmara, mas o Pe. Francisco de Borja, 3º Geral da Companhia de Jesus, encarregou ao Pe. Ribadeneira escrever uma biografia oficial do santo, proibindo a leitura e divulgação da Autobiografia por considerá-la “inútil e perigosa”. E assim, esse precioso texto ficou de escanteio até 1929, quando foi tirado da sua prolongada quarentena e começou a ser publicado em diversas línguas. 


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