Moções e tentações...

 


Precisamos saber a quem seguimos e obedecemos. Inácio de Loyola (1491-1556) passou a metade da sua vida, seguindo propostas egoístas apresentadas antes na sua mente. Ele mesmo confessa como conseguiu descobrir e sair de tamanho enredo e engano:

"Notou, todavia, esta diferença: quando pensava nos assuntos do mundo, tinha muito prazer; mas, quando, depois de cansado, os deixava, achava-se seco e descontente. Ao contrário, quando pensava em ir a Jerusalém descalço, em não comer senão verduras, em imitar todos os mais rigores que via nos Santos, não se consolava só quando se detinha em tais pensamentos, mas ainda, depois de os deixar, ficava contente e alegre. Mas não reparava nisso, nem parava a ponderar essa diferença, até que uma vez se lhe abriram um pouco os olhos, e começou a maravilhar-se desta diversidade e a refletir sobre ela. Colheu, então, por experiência que de uns pensamentos ficava triste e de outros alegre. Assim veio pouco a pouco a conhecer a diversidade dos espíritos que o moviam, um do demônio e o outro de Deus".

 

Essa foi a experiência de Inácio de Loyola: os pensamentos arrastam o nosso agir. Isto é, fazemos o que pensamos. Mais ainda, pensamentos desiguais deixam estados emocionais diferentes (seco, triste versus contente e alegre). Uma pergunta: você já reparou na diversidade dos seus pensamentos? Percebe como sua "prática" depende da sua "teoria"? Talvez não consiga mudar a qualidade dos seus pensamentos, mas com certeza, pode mudar a atitude tomada diante deles.

 

Repare: pensamentos vivenciados deixam vida ou lastros de morte. Alguém, um dia, me disse: "Eu só tenho ruindade na minha cabeça!" O que está querendo dizer? Expressava o tipo de pensamentos e imaginário que tinha. Perceber o tipo de pensamentos ou imagens que temos é um primeiro passo. Outros deveriam segui-lo, como desejar ter pensamentos e imagens mais positivos e segui-los. Deus escreve e se inscreve na nossa história. Sua escrita está em toda a nossa vida. É preciso perceber, ler e entender a nossa TEO-grafia, os sinais por Ele deixados. Só assim poderemos tomar atitudes concretas comprometidas e evangélicas. 

 

Um dia, pedi para alguém fazer sua teo-grafia, descobrir as marcas que Deus foi deixando em sua vida. Em vez disso, essa pessoa me falou das marcas negativas que foram marcando sua existência. Essa pessoa não me falou de sua história de salvação, mas de condenação. Fariseus e saduceus sabiam enxergar bem as coisas materiais, mas não as espirituais. Eles não souberam reconhecer Jesus como filho de Deus, Senhor e Salvador. Também nós corremos o sério perigo de sermos verdadeiros analfabetos espirituais se não soubermos ler e entender os sinais do Espírito.

 

Mas, como seguir o Espírito se só sentimos apelos e moções carnais? Como ler e entender as marcas do Espírito se não prestamos atenção a Ele? Coloquemos um pouco de colírio nos olhos "para enxergar e ver mais claro"...

 

A leitura de nossa história é de salvação, não de condenação. Sentimos as moções do Espírito de Deus ou apenas as marcas negativas dos próprios pecados? Nossa vida mostra realmente o que pensamos e decidimos. "Pelos frutos os conhecereis" (Mt 7, 16). 

 

Você já experimentou moções e emoções, e conhece a diferença. As emoções são superficiais e instáveis, as moções são mais profundas e estáveis. Nossa mente é como uma tela de TV: mil e uma imagens ou pensamentos surgem continuamente nela. Essas imagens mexem com a sensibilidade produzindo, no mais fundo de nós mesmos, consolação ou desolação... Face a esses pensamentos e imagens a liberdade é convidada a se posicionar, consentido ou rejeitando. 

 

As "tentações" são um tipo de moção, pois são pensamentos ou imagens que impulsionam "para fazer o mal, incitando ao pecado". As tentações surgem geralmente naqueles que estão numa etapa de purificação ou conversão. Elas são escandalosamente claras, egoístas e carnais. Pela sua proposta, opõem-se radicalmente ao plano de Deus e tendem à destruição dos outros ou do meio ambiente, Casa comum que nos acolhe. 

 

Santo Inácio fala, nos Exercícios Espirituais, de três tipos de pensamento que ocorrem na mente: "um meu próprio e outros dois que vem de fora: um do Espírito bom e outro do mau". Quando a proposta imaginada (aparecida na mente) é claramente egoísta a decisão acertada e a ser tomada é descartar essa tentação. Pelo contrário, é preciso seguir e concretizar a moção que vem de Deus. Somos discípulos daquele que seguimos!

            

Muitos se dizem discípulos de Jesus, mas não seguem suas propostas. Deus tem algo a me dizer, pois está vivo, e se comunica conosco. Inácio de Loyola tinha essa experiência. Ele sentia que "o Criador agia diretamente com a criatura, e esta com seu Criador e Senhor"

 

Quem entra nesta dinâmica da linguagem das moções, tem condições de perceber e entender a vontade de Deus, e de cumpri-la efetivamente na sua vida. Deus age diretamente na sua criatura, mas é preciso que esta entenda o que Deus está fazendo e querendo. Muitas vezes sentimos, mas não entendemos sua linguagem: Somos analfabetos espirituais. Só quem "entende" é capaz de "fazer sua vontade.

 

As consequências dos que seguem e implementam suas tentações são obvias e evidentes. O estado interior dessas pessoas é de desolação. E os que seguem o Espírito bom, de Deus, fazem obras boas inspiradas pelo bom Espírito; seu estado interior afetivo é de consolação. 

            

Não desanimemos! Os desvios encontrados e experimentados fazem-nos mais expertos na arte do discernimento. Erramos? Corrijamos! Está muito bem não fazer o mal, mas certamente está muito mal não fazer sempre o bem! Não fazer o mal é importante, mas não suficiente. Precisamos deixar-nos conduzir pela "moção" melhor, aquela que procede de Deus. 

 

Por quê não repetir frequentemente a Oração Preparatória que Santo Inácio coloca na boca e no coração de todo exercitante: Senhor, fazei que todas as minhas intenções, ações e operações sejam ordenadas puramente ao serviço e louvor de sua divina Majestade.

 

Prestar atenção ao que ocorre na nossa mente é o primeiro passo para mudar nossas atitudes. Inácio de Loyola começou por aí...

 

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