Em outubro de 2015, eu participei do Sínodo sobre o Matrimônio e a Família como representante dos bispos belgas. Eu ouvi os bispos e todos os discursos, participei nas discussões de grupo e redigi emendas para o texto final.
Nesta semana, a Congregação para a Doutrina da Fé deu uma resposta negativa à pergunta sobre se os padres podem abençoar as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Como me sinto depois dessa resposta? Mal. Sinto uma vergonha imensa pela minha Igreja. E uma incompreensão intelectual e moral.
Gostaria de pedir desculpas a todos aqueles para os quais este resposta é dolorosa e incompreensível: casais homossexuais católicos fiéis e comprometidos, pais e avós de casais homossexuais e seus filhos, agentes de pastoral e conselheiros de casais homossexuais. A sua dor com a Igreja também é a minha hoje.
A nota carece de zelo pastoral, de base científica, de nuance teológica e do cuidado ético que estiveram presentes entre os Padres sinodais que na época aprovaram as conclusões finais. Aqui está em ação outro procedimento de tomada de decisão e de formulação de políticas. A título de exemplo, gostaria de citar apenas três de suas partes.
Primeiro, o parágrafo que afirma que, no plano de Deus, não há remotamente nenhuma semelhança ou mesmo analogia entre o casamento heterossexual e o homossexual. Eu conheço casais homossexuais, civilmente casados, com filhos, que formam uma família calorosa e estável, e que também participam ativamente da vida paroquial. Vários deles atuam em tempo integral na pastoral ou são empregados da Igreja. Sou muito grato a eles. Quem tem interesse de negar que não há nenhuma semelhança ou analogia com o casamento heterossexual aqui? Durante o Sínodo,a falsidade factual dessa afirmação foi enfatizada repetidamente.
Depois, o conceito de “pecado”. Os parágrafos finais evidenciam a mais pesada artilharia moral. A lógica é clara: Deus não pode tolerar o pecado; os casais homossexuais vivem juntos em pecado; portanto, a Igreja não pode abençoar seu relacionamento. Essa é precisamente a linguagem que os Padres sinodais não quiseram usar, tanto neste quanto em outros casos denominados como situações “irregulares”. Essa não é a linguagem da Amoris laetitia, a exortação apostólica de 2016.
“Pecado” é uma das categorias teológicas e morais mais difíceis de definir e, portanto, é uma das últimas a ser aplicada às pessoas e ao modo como convivem. E, certamente, não a categorias gerais de pessoas. O que as pessoas querem e podem fazer, neste exato momento das suas vidas, com as melhores intenções em relação a si mesmas e aos outros, face a face com o Deus que amam e que os ama, não é um enigma fácil de resolver. Além disso, a teologia moral católica clássica nunca lidou com essas questões de uma forma tão simples. O tempora, o mores!
Por fim, o conceito de “liturgia”. Como bispo e teólogo, isso me envergonha ainda mais. Os casais homossexuais não são dignos de participar de uma oração litúrgica pelo seu relacionamento ou de receber uma bênção litúrgica sobre o seu relacionamento. De que bastidores ideológicos veio essa afirmação sobre a “verdade do rito litúrgico”? Este também não foi o dinamismo do sínodo.
Claramente, essa também não foi a dinâmica do Sínodo. Várias vezes, falou-se de ritos e gestos apropriados para integrar também os casais homossexuais, inclusive no âmbito litúrgico. Naturalmente, com respeito pela distinção teológica e pastoral entre um matrimônio sacramental e a bênção de um relacionamento. A maioria dos Padres sinodais não optou por uma abordagem litúrgica “preto no branco” ou por um modelo “tudo ou nada”. Ao contrário, o Sínodo impulsionou a busca sábia de formas intermediárias que façam justiça tanto à individualidade dessas pessoas quanto à singularidade dos seus relacionamentos.
A liturgia é a liturgia do povo de Deus, e os casais homossexuais também pertencem a esse povo. Além disso, soa desrespeitoso abordar a questão de uma possível bênção dos casais homossexuais com base nos chamados “sacramentais” ou no “Ritual de Bênçãos”, que também inclui a bênção de animais, carros e edifícios.
Uma abordagem respeitosa ao casamento homossexual só pode ocorrer dentro do contexto mais amplo do “Ritual do Matrimônio”, como uma possível variação do tema do matrimônio e da vida familiar, com um reconhecimento honesto das semelhanças e diferenças reais. Deus nunca foi mesquinho ou pedante ao abençoar as pessoas. Ele é nosso Pai. Essa era a mentalidade teológica e moral da maioria dos Padres sinodais.
Em suma, eu não encontro na presente nota as linhas de força substanciais – do modo como eu as experimentei – do Sínodo dos Bispos sobre o Matrimônio e a Família de 2015. É uma pena para os casais homossexuais fiéis, suas famílias e amigos. Eles não se sentem justificados nem tratados com sinceridade pela Igreja. A reação já está ocorrendo.
É uma pena também para a Igreja. Esse “responsum” não é um exemplo de como podemos caminhar juntos. O documento mina a credibilidade tanto do “caminho sinodal” defendido pelo Papa Francisco quanto do anunciado ano de trabalho dedicado à Amoris laetitia. O verdadeiro Sínodo poderia fazer o favor de se levantar?
PS. Eu (Pe. Ramón) não vejo um futuro promissor para essa nota...
Nosso Deus não nega a Sua bênção a ninguém.
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