Chamou uma criança, colocou-a no meio deles... (Mc 9, 36)
O relato evangélico deste domingo nos situa no começo do caminho que levará Jesus a Jerusalém. Neste momento de sua vida, ele tem consciência que as forças que se opõem à sua proposta de vida são muito fortes e não vão desistir em seu objetivo de esvaziar tal iniciativa. Jesus sente que sua vida começa a estar em perigo.
Jesus se tornou um sinal de contradição. Em sua instrução aos seguidores, antecipa que o condenarão à morte. A hostilidade para com Jesus se intensifica, por isso, começa a prevenir seus seguidores.
Os evangelistas sinóticos expressam esta consciência de Jesus através dos anúncios da paixão. Jesus é realista. Marcos expressa a opinião de que os discípulos não captaram a força das palavras de Jesus. Eles estão longe de compreender os critérios do Reino e continuam apegados a seus ideais de êxito e poder.
Ao chegar em casa, em Cafarnaum, Jesus reúne os doze para questionar suas pretensões de poder e honra. Mais uma vez, o profeta da Galiléia quebra as expectativas de seus discípulos e lhes propõe como critério de grandeza o serviço, e como critério de honra o cuidado dos pequenos e frágeis.
Jesus coloca o serviço e a gratuidade em um lugar central dentro da nova comunidade. Ele nos ensina a imaginar um mundo diferente e situa tudo em outro horizonte, introduz uma alternativa, a da gratuidade e um deslocamento em direção aos últimos e mais frágeis.
Há algo na identidade de Jesus que chama a atenção de todos nós: sua liberdade diante de toda expressão de poder, seja no campo religioso, social e nas relações entre as pessoas. A busca de “poder” é o pecado de morte, pois onde ele impera se visibiliza a violência, a competição e os desmandos... Para o Mestre de Nazaré,nenhum poder, muito menos o religioso, pode ser mediação de salvação e de libertação do ser humano.
A opressão mais forte sofrida por seu povo, não era só a opressão política e econômica de Roma, mas a opressão religiosa dos dirigentes e líderes de Israel. Estes estavam dispostos a tudo para continuar exercendo um poder ao qual não desejavam renunciar. De fato, havia uma estrutura social, política, econômica, ideológica, religiosa resistente e fechada a qualquer plano que colocasse em perigo sua continuidade.
A palavra e o modo de agir de Jesus provocavam um escândalo em torno dele. O escândalo procedia da sua extraordinária "autoridade". Esta expressão, presente nos evangelhos, não é fácil de ser traduzida em português. A palavra grega é "exousia" que, literalmente, refere-se ao que "provém do ser" que se é. Não se trata de algo exterior ou forçado, mas de uma atitude que emana de dentro e que se impõe por si só. “Ousia”designa o que se é. “Ex” indica procedência, “de”. A exousia é a autoridade que sai de dentro. Por isso a autoridade de Jesus não tem nada a ver com o poder que se impõe.
Jesus esvazia-se de todo poder; Ele tem autoridade (ensinava-lhes com autoridade e não como os escribas...). A autoridade de Jesus não tem poder coercitivo. É a autoridade da verdade, da autenticidade, da exemplaridade. Em suas palavras e ações, Jesus deixa transparecer uma profunda experiência de Deus e isto lhe confere uma grande liberdade e explica sua autoridade.
Sabemos que o poder foi a grande tentação dos discípulos de Jesus e dos seus seguidores ao longo da história da Igreja. Jesus quebra a estrutura da centralidade do poder narcisista. Ele propõe o caminho da “descida compassiva” como marca distintiva dos seus seguidores. Para Jesus, não é o poder que deve ocupar o centro, mas a criança, despojada de todo poder.
Para quebrar a pretensão de poder e prestígio, Jesus realiza um gesto de forte impacto: coloca uma criança no centro do grupo e a abraça. Esta é a nova “cátedra” a partir da qual ensina aos seguidores d’Ele. São as crianças que nos ensinam e nos conduzem, e nos fazem “ver” coisas que nunca vimos.
O profeta Isaías, numa curta e maravilhosa frase, resumiu essa situação: “... e uma criança pequena os guiará”(Is 11, 6).
Os sábios sabem que existe uma progressiva cegueira das coisas à medida que o seu conhecimento cresce. “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande...” (Adélia Prado).
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