29ª DTC: DAS PROFUNDEZAS CLAMO A TI , SENHOR...

  


 

E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por Ele? (Lc 18,7)

 

Se a nossa oração for autêntica, face-a-face com Deus, deverá emergir as profundidades desconhecidas do nosso ser, e poderemos ficar fascinados por aquilo que contemplamos. 

 

O evangelho deste domingo nos ajuda na “oração de petição”. Não se trata de “informar” a Deus, mas “educar nossos olhos” e descobrir sua presença amorosa e providente nas adversidades da vidaSua presença divina que nunca nos abandona. Vamos nos tornando mais gente (mais humanos) na medida em que somos oração.

 

Nessa direção se situa esta parábola da viúva, a quem a lei e o direito não lhe davam segurança, diante de um juiz iníquo. Nas parábolas de Jesus aparecem algumas mulheres: a que perdeu a moeda (Lc l15,8-10), a viúva que depositou dois trocados no cofre do templo, tudo o que tinha (Mc 12,41-44), e a pobre viúva, corajosa, que enfrentou um juiz (Lc 18,1-8). Elas são apresentadas com toda sua dignidade, à altura dos homens. 

 

Na tradição bíblica, a viúva é, junto com o órfão e o estrangeiro, o símbolo da pessoa indefesa desamparada, a mais pobre dos pobres. A “viúva” é uma mulher sozinha, sem a proteção de um esposo e sem apoio social algum. Só tem adversários que abusam dela

 

Neste domingo, a viúva é apresentada como modelo de atitude diante de Deus pela sua persistência, e coragem frente a um juiz surdo ao sofrimento dos oprimidos. Ela não desiste, continua lutando por si mesma e por seu direito à vida, indo ao juiz dia após dia.

 

A pobre viúva, longe de resignar-se, clama por justiça; ela não tem outra coisa a não ser sua voz para gritar e reivindicar seus direitos. Toda sua vida se transforma num grito de protesto: Faze-me justiça!”. Seu pedido é o de todos os oprimidos injustamente. 

 

Podemos também interpretar a parábola do juiz e da viúva como uma imagem do nosso interior: lugar da nossa intuição que nos diz que possuímos um brilho divino, que somos seres originais, filhos e filhos de Deus. Nosso interior representa os sonhos que carregamos durante nossa vida, os recursos que ainda não foram mobilizados, as possibilidades que não foram ativadas... Nele se faz visível algum traço do rosto do Deus vivo, afinal, nosso eu profundo é sua morada sagrada.

 

Mas, nosso interior carrega também um tribunal com um juiz frio e insensível, que, numa postura arro-gante, nos julga de forma excessivamente dura, e, às vezes, nos rejeita e nos condena constantemente; ele emite juízos taxativos, cortantes, condenatórios, alimentando em nós sentimentos de culpa e impotência.

 

Ele tem o catálogo de leis nas mãos e é implacável mesmo diante dos mínimos deslizes, distribuindo prêmios (poucos) e castigos (muitos).

 

No Evangelho, nos encontramos com algumas expressões categóricas que nos convidam a abandonar este ofício de juiz, bastante perigoso. Muitos, com seu amadurecimento, ficam persuadidos de que existem coisas mais importantes a fazer do que dedicar-se a serem juízes. Esta “síndrome de juiz” é curável. Existem muitas terapias que podem arrancar a cadeira do juiz e desalojá-lo de seu ofício.

 

oração também passa a ser o lugar onde nosso interior encontra justiça, onde o juiz interior é desapoderado. Na oração nos tornamos cientes da nossa dignidade como seres humanos, que fomos criados por Deus e que Ele nos julga capazes de realizarmos nossos desejos. Por meio dela, entramos em contato com a imagem única e singular que o Pai tem de nós; toda autocondenação se dissolvem durante esse momento.

Nesse sentido, a oração é o espaço onde a dimensão feminina é despertada através do seu clamor, da sua insistência e perseverança.

 

O ser humano carrega dentro de si amor e agressão, razão e emoção, gentileza e dureza, juiz e viúva, animus e anima – dimensão masculina e dimensão feminina da alma. Muitas vezes vivemos apenas um polo e recalcamos o outro. Enquanto este permanecer nas sombras terá um efeito destrutivo. 

 

Jesus nos apresenta a oração como caminho para esvaziar o ofício do nosso juiz interior. No espaço da oração experimentamos nosso direito à vida; ali encontramos paz, ajuda e cura. Ao mesmo tempo, a oração nos leva ao espaço interior do silêncio, onde o juiz é desarmado de sua arrogância.

 

Com o juiz silenciado, acabam-se os ressentimentos, as violências interiores, os sacrifícios, os juízos, os sentimentos de culpa...  Morre o “juiz” das proibições, das ameaças, dos castigos e da perpétua vigilância sobre nossos atos e intenções. Com isso, nossa vida torna-se mais leve, os medos se vão e a harmonia toma assento em nosso coração.

 

 

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