O Legado do Papa Bento XVI (Cf. James Martin sj)

 
A renúncia do Santo Padre é um ato nobre e altruísta exercido para o bem da Igreja, a qual ele amou e serviu por décadas. A renúncia, anunciada esta manhã e marcada para acontecer efetivamente no dia 28 de Fevereiro, embora surpreendente para quase todo mundo, não é algo completamente sem precedentes. Vários papas já renunciaram, incluindo Gregório XII no século 15, em meio ao cisma do Ocidente; e, mais notoriamente, Celestino V, o qual foi “literalmente” designado ao inferno na obra de Dante Alighieri por sua renúncia em 1249. Mais recentemente, houve especulação na época em que o beato João Paulo II, quando começou a apresentar sinais de declínio em sua saúde por causa do mal de Parkinson, mas João Paulo optou por continuar trabalhando, dando um testemunho a todos sendo sinal do sofrimento humano. O papa está velho e doente, dizia João Paulo frequentemente, mas seu sofrimento é parte da condição humana. Para mim, foi um testemunho comovente do desejo de João Paulo de servir mesmo em tempos de dificuldades.

O Papa Bento XVI vê as coisas de uma forma diferente. Em seu anúncio de hoje, ele apontou explicitamente o declínio de sua saúde como o motivo de sua renúncia: Eu cheguei à conclusão de que minhas forças, devido à idade avançada, não são mais adequadas para o condizente exercício de minhas funções. Ele continuou: No mundo de hoje, sujeito a tão rápidas mudanças e estremecido por questões de profunda relevância para a vida de fé, para que se possa governar a barca de São Pedro e proclamar o Evangelho, tanto a força do corpo como a da mente se fazem necessárias, forças essas que nos últimos meses têm se deteriorado em mim ao ponto de que eu tenha que reconhecer minha incapacidade para cumprir adequadamente o ministério a mim confiado.

Por essa razão, ele continua, e perfeitamente ciente da seriedade desse ato, com plena liberdade, eu declaro que renuncio ao ministério de bispo de Roma, sucessor de São Pedro.

A dramática renúncia do papa parece que chocou a muitos no Vaticano, incluindo o porta-voz papal, Pe. Federico Lombardi, SJ. O papa pegou-nos de surpresa, disse ele. Um acontecimento similarmente surpreendente ocorreu com o Papa João XXIII (1958- 1963), quando anunciou a convocação para o Concílio Vaticano II, decisão a qual chegou não após muita deliberação, mas sim, como ele declarou, algo que veio como uma flor de uma inesperada primavera. Mesmo com toda a burocracia do Vaticano, o papa ainda é dono do seu nariz.

Desde o ano passado, mais ou menos, intensificou-se a especulação se Bento XVI tinha condições de levar a frente seu trabalho da maneira como ele próprio gostaria. Viagens foram encurtadas em várias ocasiões e mesmo suas aparições no Vaticano já eram feitas com bases móveis para ajudá-lo a se locomover. Como qualquer pessoa em sua avançada idade, ele teve que se perguntar se conseguiria ou não fazer seu trabalho.

Anos atrás, o superior Geral dos Jesuítas, Peter-Hans Kolvenbach, tornou-se o primeiro superior geral a renunciar. É interessante lembrar que, o Pe. Kolvenbach, que também já estava idoso e com sua saúde em declínio, certa vez confidenciou aos seus conselheiros Jesuítas que seria difícil conseguir de João Paulo II a aprovação para sua renúncia, já que o próprio João Paulo decidira não renunciar enquanto Papa. O pedido de renúncia do Pe. Kolvenbach, feito a Bento XVI, que o aceitou, deveria ter sido visto como um sinal da concordância de Bento com essa decisão.

Assim, o Papa Bento XVI e o Papa João Paulo II chegaram a conclusões totalmente diferentes para uma mesma questão: pode um papa doente renunciar? Para João Paulo, a imagem do papa sofredor, doente, era de um grande valor espiritual para seu rebanho; Para Bento, o trabalho simplesmente tem que ser feito. Discernimento sempre é algo muito pessoal; e é importante ver como dois santos homens chegaram a duas decisões inteiramente distintas. Deus fala de forma diferente a diferentes pessoas enfrentando a mesma questão. Na vida dos santos, por exemplo, frequentemente vemos como uma mesma situação é tratada de forma diversa por santos diferentes. Quando São Francisco de Assis padeceu de uma doença nos olhos, causada, diziam os médicos, pelo excesso de lágrimas durante a Missa, São Francisco decidiu que deveria continuar indo às missas e chorar. Quando Santo Inácio de Loyola enfrentou problema semelhante com seus olhos, os médicos o alertaram e ele decidiu diminuir suas devoções, de modo a ter saúde suficiente para cumprir seus trabalhos. Os dois estavam respondendo ao que sentiam ser a vontade de Deus em suas vidas. O Papa também demonstra uma grande liberdade espiritual em sua renúncia, o que Santo Inácio chama de liberdade diante de afeições desordenadas. Raras são as pessoas hoje em dia que renunciam a tanto poder, voluntariamente!

O Papa Bento XVI poderá ser lembrado como o papa que, em seu curto pontificado, procurou reforçar a ortodoxia da igreja em uma diversidade de meios, como autor de várias e importantes encíclicas, notável por sua profundidade teológica e de conhecimento, que manteve um grande número de aparições públicas, e que, apesar de sua agenda cheia, publicou três livros muito bem recebidos pela crítica e pelo público acerca da vida de Jesus. Nunca foi um “superstar” da mídia, como seu antecessor, mas Bento XVI, que foi um erudito a vida inteira, exalava seu carisma próprio, que advinha de sua perspicaz profundidade teológica e de seu relacionamento pessoal com Jesus.

Seu legado mais duradouro, eu assim gostaria de sugerir, não estará nas várias “manchetes” que alguns dos atos de seu papado produziram na mídia (como a longa negociação para o desmantelamento da Sociedade de São Pio X, suas duras ações contra o fundador dos Legionários de Cristo, pelas acusações de abuso sexual, ou a revisão da tradução inglesa da missa e do missal, ou sua resposta pessoal para a crise dos abusos sexuais ou a controvérsia sobre os comentários que enfureceram os muçulmanos...), mas algo muito mais pessoal: seus livros sobre Jesus. Provavelmente, muitas mais pessoas lerão esses testemunhos comoventes sobre a pessoa que está no centro de sua vida: Jesus de Nazaré, do que lerão todas as suas encíclicas juntas. Alguns poderão discordar sobre esse aspecto de seu pontificado, mas nesses livros, o papa traz décadas de estudo e oração para a pergunta mais importante que um cristão pode fazer: Quem é Jesus? Essa é a função principal do Papa –apresentar Jesus às pessoas- e o Papa Bento XVI fez isso muito bem.                                          Tradução: Francis Franco (francisfranco@gmail.com)
 (cf. America Magazine/11/FEV/2013 (http://americamagazine.org/content/all-things/popes-legacy)


E você, o que acha do legado do Papa Bento XVI?

8 comentários:

  1. Um papa guardião da fé. Evidente que suas encíclicas, discursos... enfim, todo seu trabalho pastoral versou sobre a necessidade da fé no Cristo, em um mundo líquido, marcado pelo relativismo e pela falta de referenciais. Queria ele que Cristo fosse o grande referencial da humanidade. Faço a ressalva de que, contudo, Bento XVI, ao defender a fé, o fez de modo dogmático. Acreditou que a novidade na Igreja (especialmente no campo da moral e do ecumenismo) seria um risco para a fé. Não soube conciliar uma fé enraizada na vida com as mudanças de paradigmas de nosso mundo pós-moderno. Bento XVI fez um grande papado, mas um papado que permaneceu, infelizmente, no século passado.

    ResponderExcluir
  2. Pessoalmente acho que ele fez o que o coração mandou....Sua obra é a obra da Igreja católica... Não acho nada sobre essa obra, que é apenas feitas por homens e pela história humana...

    ResponderExcluir
  3. Ele está certo! Enquanto ele pôde, ele fez! Muita humildade mesmo da parte dele reconhecer que já não tem mais condições de dar o seu melhor, e deixar que outro continue...

    ResponderExcluir
  4. Tomou uma decisão que só o enobrece!

    ResponderExcluir
  5. Tudo tem a hora certa... Todos nós somos humanos... Nós paramos também nas nossas funções... Eu já parei porque não tive forças para continuar... Assim como eu, você, ele... E tem razão porque sua missão é para o mundo todo... Que grande responsabilidade!... Ele fez o que o corpo pediu e Deus mandou... E por que não Deus acima de tudo?...

    ResponderExcluir
  6. O Santo Padre sabendo da enorme responsabilidade que tinha no comando da Igreja, e vendo suas forças irem embora, tomou a decisão de não prejudicá-la. Que Deus o abençoe. Rezemos para que um novo Papa venha com muita saúde para comandar os destinos da Igreja e para enfrentar os problemas que aparecem, com força, rigor e caridade...

    ResponderExcluir
  7. Minha opinião? Um homem muito abençoado que não foi egoísta; corajoso, fiel à Igreja Católica. Tenho muita admiração!

    ResponderExcluir