12/JUN/1998: Páscoa da minha mãe Josefina Núñez Saavedra...

A lembrança é minha melhor oração...

                                                       

São Paulo, 14/JUL/1998
"Viver é tocar um instrumento musical
que não nos pertence!...”
Querido amigo: a Paz do Senhor Jesus!
Agradeço, de coração, sua lembrança fraterna, por ocasião do falecimento de minha mãe. Obrigado pelas suas orações e apoio.

Como foram muitos/as os que me escreveram ou telefonaram apresentando seus sentimentos de amizade permito-me, numa carta comum, partilhar o que aconteceu e o que vivenciei nesse mês que passei lá.

1. `A irmã morte´. Viajei para Vigo (Espanha) no dia 10/JUN, após urgentes chamadas telefônicas de meus irmãos. A viagem foi pesada e não consegui dormir nada. Mil pensamentos passavam pela minha cabeça: como estará minha mãe?... Como eu reagiria ao que ia encontrar?... Rezei no avião; rezei muito e chorei silenciosamente bastante! Depois de algum tempo senti que o Senhor me dizia: O que você vai experimentar não será uma desgraça, mas uma grande graça!... Esse pensamento me confortou.

Quando cheguei em casa, o clima estava pesado. Minha mãe em coma; meus irmãos e minhas cunhadas tristonhos... Não sei se ela me reconheceu; creio que sim, pois de vez em quando ela apertava sua mão na minha. Estava muito magra.

No dia 12 de junho, Corpus Christi, após um dia de respiração fatigante, por fim ela se acalmou. Eram quase 20h00. Senti que a Páscoa dela chegava. Aproximei-me mais e rezei diversos salmos. Vivi seus últimos momentos com admiração e respeito. Todos os filhos (menos minha irmã que é diminuída psíquica!) com suas mulheres estávamos lá. Por fim, às 23h50 parou de respirar. Era a primeira vez que acompanhei alguém até o último suspiro!

De manhã, tivemos uma missa, de corpo presente, na capela do Tanatório de Pereiró; só para a família. Éramos muitos! Presidi a Eucaristia, tirando forças da própria fraqueza. Lembrei de uma frase do Professor Evaristo de Miranda: Quando éramos pequenos, nossos pais nos trouxeram à Igreja e nos apresentaram a Deus. Agora, somos nós que os trazemos a igreja e os entregamos definitivamente nas mãos do Senhor!... A seguir, foi cremada, como ela mesma tinha pedido.

No dia seguinte, celebrei seu funeral às 18h00, na Igreja Paroquial de Santiago el Mayor, acompanhado pelo Pároco e diversos jesuítas do nosso Colégio `Santiago Apóstol´. A Igreja estava lotada. Após a cerimônia, emocionalmente cansado, viajei com meu irmão mais velho para Madri. Precisava descansar e dar-me um tempo para elaborar o que até então tinha sentido e experimentado. Fiquei uma semana.

2. `És pó e ao pó retornarás´. As experiências continuaram. O Senhor queria que experimentasse ainda `maiores graças´... E eu não fugi delas!

Anos atrás, minha mãe dissera para todos que queria que suas cinzas fossem colocadas numa grande rocha que há numa fazenda de sua propriedade. Decidimos, pois, no Domingo seguinte, levar suas cinzas ao lugar escolhido por ela mesma e que fica no alto de um morro.

Dois irmãos e eu começamos a subida, mas, por mais que o intentamos não conseguimos alcançar (nem ver!) a dita `Penha Grande´ (assim é chamada!) devido ao grande acúmulo de mato e espinheiros. Depois de três tentativas frustradas (pelo lado Norte, Sul e Leste) decidimos colocar as cinzas da nossa mãe dentro das ruínas de uma antiga Capela, que ficava no meio de um bosque e também dentro da propriedade dela. Assim o fizemos. Rezamos e, com carinho e lágrimas, depositamos suas cinzas numa esquina daquela antiga capela. De fato, era um belo e simbólico lugar. Nossa mãe que sempre valorizara a Igreja, ficava agora, dentro de uma delas...  Com dois pauzinhos, recolhidos ali mesmo, fiz uma singela cruz e lá a afinquei.

Tudo isto foi uma experiência nova e forte, jamais antes vivida: levar, numa bela urna, as cinzas da própria mãe e, depois, depositá-las humildemente, sem pompa alguma, na própria terra!... Haja coração!

3. Minha irmã, deficiente psíquica. O tempo da `graça´ ainda não acabara. Faltava algo a mais e que deveria ser feito com o mesmo carinho e paixão que vinha experimentando: internar, num Centro para descapacitados psíquicos, minha única irmã, a caçula...

Talvez você não saiba: somos 5 homens e uma irmã. Só quando ela tinha 12 anos de idade é que percebemos o problema da deficiência psíquica dela. Minha mãe levou essa cruz com garbo, garra e paixão. Todos sabíamos, por experiência, que conviver com nossa irmã era muito difícil e complicado mas, nossa mãe assim o fizera por quase 50 anos, cuidando maternalmente dela e lutando para que nada lhe faltasse, mesmo quando ela viesse falecer.

Pois bem, esse dia chegou. Com o falecimento de minha mãe, o que era difícil fizera-se insuportável. Minha irmã estava cada vez mais nervosa e agressiva. Era preciso tomar alguma medida mais drástica e quem melhor do que o irmão padre para fazer isso? (disseram minhas cunhadas!) Comecei, pois, a buscar um Centro ou Residência que pudesse acolhê-la...

Após algumas tentativas, encontramos uma bela residência, só para mulheres (apenas 20 residentes!) e administrada por uma religiosa (sem hábito!) das irmãs da Caridade. A residência `Stella Maris´ (Estrela do Mar!) fica perto de uma das praias mais badaladas de Nigrán, município próximo ao de Vigo, onde residem a maioria dos meus irmãos. Mas, ainda tínhamos que conseguir a vaga! Entrei logo em contato com o diretor da Fundação (um padre diocesano!) e disse-me que a última vaga disponível era nossa. Dei graças a Deus!

Mas, ainda faltava o pior: convencer minha irmã a ir à tal Residência. Todos achavam que isto seria impossível! Eu também pensava assim e sentia que ia ser muito difícil! O encomendei a Deus. Marcamos o dia 6 de julho para levá-la à Residência... O bendito dia chegou. Minha ansiedade era tal que nessa noite mal dormi... Aproveitei a hora do almoço para dizer à minha irmã que devia fazer as malas e marcar um horário de saída: Você vai de férias!... disse-lhe. Ela não queria e estava, naquele dia, de péssimo humor. Quando chegou a hora marcada disse-me: Não estou-me sentindo bem. Eu não vou sair de casa!... Fiquei gelado. Sem perder a paciência e com um carinho novo que brotava espontaneamente do meu coração, respondi que não podíamos mais retroceder... E, como cordeiro levado ao matadouro, nos acompanhou!... Eu não acreditava como a coisa fluía melhor do que imaginava! Chegados à Residência Stella Maris, ela foi muito bem acolhida e mansamente ali ficou, junto com as outras 19 residentes.

Dois dias depois e com certo receio, fui visitá-la. A `menina´ (carinhosamente assim a chamamos!) estava bem. O que parecia impossível, realizara-se! Dei graças a Deus!

Dois dias depois, voltava para o Brasil ruminando aquela primeira frase: Você experimentará uma grande graça!...

Por tudo o passado, sentido e experimentado: louvado seja sempre o Senhor!

Com carinho e gratidão,
                          Pe. J. Ramón sj
* Fotografia superior: minha mãe com seus filhos: Francisco, Fabriciano, Estanislau, eu, Salvador e Josefina... 
* Fotografia abaixo: 75 anos de vida! 


4 comentários:

  1. Deus é bom.
    E com Ele, você é ainda melhor, amigo.

    Abraço,
    Francis

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  2. Alabado sea!!
    Mamá siempre dice, y es verdad, que te debemos a tí que Cintas esté tan contenta y tan bien atendida en su residencia.
    Estuviste magnífico en la resolución de su futuro. Sé que la abuela desde arriba ve feliz a su niña, sabiendo que su hijo adorado resolvió el asunto que a ella le preocupó durante toda su vida.
    Dios aprieta pero no ahoga y nosotros, amparados en la fe, sabemos que todo tiene sentido en el magnífico plan de Dios.
    Un beso muy fuerte, Cura

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  3. Caro amigo Pe. Ramón.
    "Que o Senhor te abençoe e te guarde, que o Senhor te mostre sua face e conceda-te sua graça, que o Senhor volva seu rosto para ti e te dê a paz!".
    Paz dos escolhidos a quem Ele chama pelo nome e com muito carinho faz repousar em Seu seio eterno... Isso é o que está reservado para sua amada mãezinha!
    Conforta-te no Senhor e receba meus sinceros sentimentos pela partida de sua mãe. Que o Senhor Jesus traga a benção, o conforto e paz a toda a sua família!
    Um fraterno abraço.

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  4. Pe. Ramon, fiquei muito emocionada com o seu relato. Viver esta situação desta forma seria muito difícil para mim. Mas ficou em mim algumas reflexões: o seu desapego familiar (algo difícil, pois estes laços são fortes), a entrega e confiança de tudo nas mãos de Deus e deixa-lo agir. Muito bonito. Sávia.

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