O primeiro religioso
Papa desde há 182 anos... O Papa Francisco é o primeiro Pontífice proveniente
de uma Ordem Religiosa, depois do camaldolense Gregório XVI, eleito em 1831, há
182 anos. Pergunto, pois: Qual é hoje na Igreja o lugar dos religiosos
e religiosas?
Os religiosos são profetas. São os que
escolheram um seguimento de Jesus que imitam a sua vida com a obediência ao
Pai, a pobreza, a vida de comunidade e a castidade. Neste sentido, os votos não
podem cair em caricaturas; de outro modo, por exemplo, a vida comunitária
torna-se um inferno e a castidade um modo de viver como solteirões. O voto de
castidade deve ser um voto de fecundidade. Na Igreja, os religiosos são
chamados em particular a ser profetas que testemunham como Jesus viveu nesta
terra e que anunciam como o Reino de Deus será na sua perfeição. Um religioso
nunca deve renunciar à profecia. Isto não significa contrapor-se à parte
hierárquica da Igreja, mesmo se a função profética e a estrutura hierárquica
não coincidem. Estou a falar de uma proposta sempre positiva, que, no entanto, não
deve ser medrosa. Pensemos naquilo que fizeram tantos grandes santos monges,
religiosos e religiosas, desde Santo Antão, abade. Ser profeta pode significar,
por vezes, fazer ruído, não sei como dizer. A profecia faz ruído, alarido,
alguns chamam «chinfrim». Mas, na realidade, o seu carisma é o de ser fermento:
a profecia anuncia o espírito do Evangelho.
Dicastérios romanos, sinodalidade, ecumenismo. Considerando a referência à hierarquia, pergunto neste ponto ao Papa: O que pensa dos Dicastérios romanos?
Os dicastérios romanos estão ao serviço do Papa e dos bispos: devem ajudar tanto as Igrejas particulares como as Conferências Episcopais. São mecanismos de ajuda. Nalguns casos, quando não são bem entendidos, correm o risco, pelo contrário, de se tornarem organismos de censura. É impressionante ver as denúncias de falta de ortodoxia que chegam a Roma. Creio que os casos devem ser estudados pelas Conferências Episcopais locais, às quais pode chegar uma válida ajuda de Roma. De facto, os casos tratam-se melhor no local. Os dicastérios romanos são mediadores, nem intermediários nem gestores.
Dicastérios romanos, sinodalidade, ecumenismo. Considerando a referência à hierarquia, pergunto neste ponto ao Papa: O que pensa dos Dicastérios romanos?
Os dicastérios romanos estão ao serviço do Papa e dos bispos: devem ajudar tanto as Igrejas particulares como as Conferências Episcopais. São mecanismos de ajuda. Nalguns casos, quando não são bem entendidos, correm o risco, pelo contrário, de se tornarem organismos de censura. É impressionante ver as denúncias de falta de ortodoxia que chegam a Roma. Creio que os casos devem ser estudados pelas Conferências Episcopais locais, às quais pode chegar uma válida ajuda de Roma. De facto, os casos tratam-se melhor no local. Os dicastérios romanos são mediadores, nem intermediários nem gestores.
Recordo ao Papa que no passado dia 29
de Junho, durante a cerimônia da bênção e da imposição do pálio a 34 bispos
metropolitanos, tinha afirmado «o caminho da sinodalidade» como o
caminho que leva a Igreja unida a «crescer
em harmonia com o serviço do primado». Eis então a minha pergunta: Como
conciliar em harmonia primado petrino e sinodalidade? Que caminhos são
praticáveis, também numa perspectiva ecuménica?
Devemos caminhar juntos: as pessoas, os Bispos e o Papa. A sinodalidade
vive-se a vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia do sínodo,
porque a atual parece-me estática. Isto poderá também ter valor ecumênico,
especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles se pode aprender mais sobre
o sentido da colegialidade episcopal e sobre a tradição da sinodalidade. O
esforço de reflexão comum, vendo o modo como se governava a Igreja nos
primeiros séculos, antes da ruptura entre Oriente e Ocidente, dará frutos a seu
tempo. Nas relações ecumênicas isto é importante: não só conhecer-se melhor,
mas também reconhecer o que o Espírito semeou nos outros como um dom também
para nós. Quero prosseguir a reflexão sobre como exercitar o primado petrino,
já iniciada em 2007 pela Comissão Mista, e que levou à assinatura do documento
de Ravena. É preciso continuar neste caminho.
Procuro compreender como o Papa vê o
futuro da unidade da Igreja. Responde-me: Devemos
caminhar unidos nas diferenças: não há outro caminho para nos unirmos. Este é o
caminho de Jesus.
E o papel da mulher na Igreja? O Papa
referiu-se a este tema em várias ocasiões. Numa entrevista tinha afirmado que a
presença feminina na Igreja não emergiu mais, porque a tentação do machismo não
deixou espaço para tornar visível o papel que compete às mulheres na
comunidade. Retomou a questão durante a viagem de regresso do Rio de Janeiro,
afirmando que ainda não foi feita uma teologia profunda da mulher. Então,
pergunto: Qual deve ser o papel da mulher na Igreja? Como fazer para torná-lo
hoje mais visível?
É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Temo a solução do “machismo de saias”, porque, na verdade, a mulher tem uma estrutura diferente do homem. E, pelo contrário, os argumentos que ouço sobre o papel da mulher são muitas vezes inspirados precisamente numa ideologia machista. As mulheres têm vindo a colocar perguntas profundas que devem ser tratadas. A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade. É necessário, pois, aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja. É preciso trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da mulher. Só realizando esta etapa se poderá refletir melhor sobre a função da mulher no interior da Igreja. O gênio feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O desafio hoje é exatamente esse: refletir sobre o lugar específico da mulher, precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja.
É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Temo a solução do “machismo de saias”, porque, na verdade, a mulher tem uma estrutura diferente do homem. E, pelo contrário, os argumentos que ouço sobre o papel da mulher são muitas vezes inspirados precisamente numa ideologia machista. As mulheres têm vindo a colocar perguntas profundas que devem ser tratadas. A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade. É necessário, pois, aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja. É preciso trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da mulher. Só realizando esta etapa se poderá refletir melhor sobre a função da mulher no interior da Igreja. O gênio feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O desafio hoje é exatamente esse: refletir sobre o lugar específico da mulher, precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja.
O Concílio Vaticano
II. O que é que realizou o Concílio Vaticano II? Que é que foi?, pergunto-lhe à luz
das suas afirmações precedentes, imaginando uma resposta longa e articulada.
Tenho, pelo contrário, como que a impressão de que o Papa simplesmente considera
o Concílio como um fato de tal modo indiscutível que para sublinhar a sua
importância não vale a pena falar disso demasiado tempo.
O Vaticano II foi uma releitura do Evangelho à luz da cultura
contemporânea. Produziu um movimento de renovação que vem simplesmente do
próprio Evangelho. Os frutos são enormes. Basta recordar a liturgia. O trabalho
da reforma litúrgica foi um serviço ao povo como releitura do Evangelho a
partir de uma situação histórica concreta. Sim, existem linhas de hermenêutica
de continuidade e de descontinuidade. Todavia, uma coisa é clara: a dinâmica de
leitura do Evangelho no hoje, que é própria do Concílio, é absolutamente
irreversível. Depois existem questões particulares, como a liturgia segundo o Vetus Ordo (O rito litúrgico de
S. Pio V, usado até ao Concílio Vaticano II). Penso que a escolha do Papa Bento
XVI foi prudente, ligada à ajuda a algumas pessoas que têm esta sensibilidade
particular. Considero, no entanto, preocupante o risco de ideologização do Vetus
Ordo, a sua instrumentalização.
Procurar e encontrar
Deus em todas as coisas. O discurso do Papa Francisco sobre os desafios de
hoje é muito desconcertante. Há uns anos tinha escrito que para ver a realidade
é necessário o olhar da fé; de outra forma, vê-se uma realidade aos bocados,
fragmentada. É este também um dos temas da Encíclica Lumen Fidei.
Tenho em mente também algumas passagens dos discursos do Papa Francisco durante
a Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Cito-lhos: «Deus é real se Se manifesta no hoje»; «Deus está em toda a parte». São frases
que fazem eco da expressão inaciana «procurar
e encontrar Deus em todas as coisas». Pergunto então ao Papa: Santidade,
como se faz para procurar e encontrar Deus em todas as coisas?
O que eu disse no Rio tem um valor temporal. Existe, de fato, a tentação
de procurar Deus no passado ou no futuro. Deus está, certamente, no passado
porque está nas pegadas que deixou. E está também no futuro como promessa. Mas
o Deus “concreto”, digamos assim, é hoje. Por isso, os queixumes nunca, nunca,
nos ajudam a encontrar Deus. As queixas de hoje de como o mundo anda “bárbaro”
acabam por fazer nascer dentro da Igreja desejos de ordem entendidos como pura
conservação, defesa. Não. Deus deve ser encontrado no hoje.
Deus manifesta-Se numa revelação histórica, no tempo. O tempo inicia os
processos, o espaço cristaliza-os. Deus encontra-Se no tempo, nos processos
em curso. Não é preciso privilegiar os espaços de poder relativamente aos
tempos, mesmo longos, dos processos. Devemos encaminhar processos, mais que
ocupar espaços. Deus manifesta-Se no tempo e está presente nos processos da
História. Isto faz privilegiar as ações que geram dinâmicas novas. E exige
paciência, espera.
Encontrar Deus em todas as coisas não é um eureka empírico. No fundo, quando desejamos encontrar Deus,
quereríamos constatá-lO de imediato com um método empírico. Assim não se
encontra Deus. Ele encontra-Se na brisa ligeira sentida por Elias. Os sentidos
que constatam Deus são os que Santo Inácio designa por “sentidos espirituais”. Inácio pede para abrir a sensibilidade
espiritual para encontrar Deus para além de uma abordagem puramente empírica. É
necessária uma atitude contemplativa: é o sentir que se vai pelo bom caminho da
compreensão e do afeto no que diz respeito às coisas e às situações. O sinal de
que se está neste bom caminho é o sinal da paz profunda, da consolação
espiritual, do amor de Deus e de todas as coisas em Deus.
Certezas e erros. Se o encontro com Deus em todas as coisas não é um
«eureka empírico» — digo ao Papa — e se, portanto, se trata de um caminho que
lê a história, podem cometer-se erros...
Sim, neste procurar e encontrar Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de incertezas. Tem que ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza total e não aflora uma margem de incerteza, então não está bem. Para mim, esta é uma chave importante. Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, esta é a prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. Devemos deixar espaço ao Senhor, não às nossas certezas. É necessário ser humilde. A incerteza existe em cada discernimento verdadeiro que se abre à confirmação da consolação espiritual.
O risco no procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, pois, a vontade de explicar demasiado, de dizer com certeza humana e arrogância: “Deus está aqui”. Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: procurar a Deus para O encontrar e encontrá-lO para O procurar sempre. E muitas vezes procura-se por tentativas, como se lê na Bíblia. É esta a experiência dos grandes Pais da Fé, que são o nosso modelo. É necessário reler o capítulo 11 da Carta aos Hebreus. Abraão partiu sem saber para onde ia, pela fé. Todos os nossos antepassados da fé morreram vendo os bens prometidos, mas longe... A nossa vida não nos é dada como um libreto de ópera onde está tudo escrito, mas é ir, caminhar, fazer, procurar, ver... Deve-se entrar na aventura da procura do encontro e do deixar-se procurar e deixar-se encontrar por Deus.
Porque Deus está antes, Deus está sempre antes, Deus antecede. Deus é um pouco como a flor da amendoeira da tua Sicília, António, que floresce sempre antes (O Padre António Spadaro, autor desta entrevista é um jesuíta italiano, nascido na Sicília). Lemo-lo nos profetas. Portanto, encontra-se Deus caminhando, no caminho. E neste ponto alguém poderia dizer que isto é relativismo. É relativismo? Sim, se é mal interpretado, como espécie de panteísmo indistinto. Não, se é interpretado em sentido bíblico, onde Deus é sempre uma surpresa e, portanto, não sabes nunca onde e como O encontras, não és tu a fixar os tempos e os lugares do encontro com Ele. É necessário, portanto, discernir o encontro. Por isso, o discernimento é fundamental.
Se o cristão é restauracionista, legalista, se quer tudo claro e seguro, então não encontra nada. A tradição e a memória do passado devem ajudar-nos a ter a coragem de abrir novos espaços para Deus. Quem hoje procura sempre soluções disciplinares, quem tende de modo exagerado à “segurança” doutrinal, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involutiva. E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas. Tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de cada pessoa. Deus está na vida de cada um. Mesmo se a vida de uma pessoa foi um desastre, se se encontra destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está na sua vida. Pode-se e deve-se procurar na vida humana. Mesmo se a vida de uma pessoa é um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, há sempre um espaço onde a semente boa pode crescer. É preciso confiar em Deus.
Devemos ser optimistas? Estas palavras do Papa recordam-me algumas reflexões suas do passado, nas quais o então cardeal Bergoglio escreveu que Deus vive já na cidade, vitalmente misturado no meio de todos e unido a cada um. É um outro modo, na minha opinião, para dizer o que Santo Inácio escreve nos Exercícios Espirituais, ou seja, que Deus «trabalha e opera» no nosso mundo. Pergunto-lhe então: Devemos ser optimistas? Quais são os sinais de esperança no mundo de hoje? Como conseguir ser optimista num mundo em crise?
Não gosto de usar a palavra “otimismo”, porque indica uma atitude psicológica. Gosto, pelo contrário, de usar a palavra “esperança”, segundo aquilo que se lê no capítulo 11 da Carta aos Hebreus, como já citei. Os Pais continuaram a caminhar, atravessando grandes dificuldades. E a esperança não engana, como lemos na Carta aos Romanos. Pensa, pelo contrário, no primeiro enigma da ópera Turandot, de Puccini, pede-me o Papa.
Naquele momento recordei, um pouco de memória, os versos daquele enigma da princesa que tem como resposta a esperança: Na noite escura voa um fantasma / Iluminado. / Sobe e abre as asas / Sobre a negra infinita humanidade. / Todo o mundo o invoca / E todo mundo o implora. / Mas o fantasma desaparece com a Aurora para renascer no / coração. / E cada noite nasce e cada dia morre! Versos que revelam o desejo de uma esperança que aqui, no entanto, é um fantasma cintilante e que desaparece com a aurora.
Aqui está — continua o Papa —, a esperança cristã não é um fantasma e não engana. É uma virtude teologal e, portanto, definitivamente, um presente de Deus que não se pode reduzir ao optimismo, que é apenas humano. Deus não defrauda a esperança, não pode negar-Se a Si mesmo. Deus é todo promessa.
A arte e a criatividade. Fico impressionado pela citação de Turandot para falar do mistério da esperança. Gostaria de compreender melhor quais são as suas referências artísticas e literárias. Recordo-lhe que em 2006 tinha dito que os grandes artistas sabem apresentar com beleza as realidades trágicas e dolorosas da vida. Pergunto então quais são os artistas e escritores que prefere; se eles têm algo em comum...
Gostei muito de autores diferentes entre si. Gosto muitíssimo de Dostoiévski e Hölderlin. De Hölderlin quero recordar aquela poesia para o aniversário da sua avó, que é de grande beleza e que me fez tanto bem espiritual. É aquela que termina com o verso “Que o homem mantenha o que o rapaz prometeu”. Impressionou-me também porque amava muito a minha avó Rosa, e ali Hölderlin compara a sua avó a Maria que gerou Jesus, que para ele é o amigo da terra que não considerou ninguém estrangeiro. Li I Promessi Sposi três vezes e tenho-o agora sobre a mesa para reler. Manzoni deu-me muito. A minha avó, quando eu era criança, ensinou-me de cor o início dos Promessi Sposi: “Quel ramo del lago di Como, che volge a mezzogiorno, tra due catene non interrotte di monti…”(Dos dois braços que formam o lago de Como, um deles dirige-se para o sul, entre duas cadeias ininterruptas de montanhas…) Também gostei muito de Gerard Manley Hopkins.
Sim, neste procurar e encontrar Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de incertezas. Tem que ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza total e não aflora uma margem de incerteza, então não está bem. Para mim, esta é uma chave importante. Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, esta é a prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. Devemos deixar espaço ao Senhor, não às nossas certezas. É necessário ser humilde. A incerteza existe em cada discernimento verdadeiro que se abre à confirmação da consolação espiritual.
O risco no procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, pois, a vontade de explicar demasiado, de dizer com certeza humana e arrogância: “Deus está aqui”. Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: procurar a Deus para O encontrar e encontrá-lO para O procurar sempre. E muitas vezes procura-se por tentativas, como se lê na Bíblia. É esta a experiência dos grandes Pais da Fé, que são o nosso modelo. É necessário reler o capítulo 11 da Carta aos Hebreus. Abraão partiu sem saber para onde ia, pela fé. Todos os nossos antepassados da fé morreram vendo os bens prometidos, mas longe... A nossa vida não nos é dada como um libreto de ópera onde está tudo escrito, mas é ir, caminhar, fazer, procurar, ver... Deve-se entrar na aventura da procura do encontro e do deixar-se procurar e deixar-se encontrar por Deus.
Porque Deus está antes, Deus está sempre antes, Deus antecede. Deus é um pouco como a flor da amendoeira da tua Sicília, António, que floresce sempre antes (O Padre António Spadaro, autor desta entrevista é um jesuíta italiano, nascido na Sicília). Lemo-lo nos profetas. Portanto, encontra-se Deus caminhando, no caminho. E neste ponto alguém poderia dizer que isto é relativismo. É relativismo? Sim, se é mal interpretado, como espécie de panteísmo indistinto. Não, se é interpretado em sentido bíblico, onde Deus é sempre uma surpresa e, portanto, não sabes nunca onde e como O encontras, não és tu a fixar os tempos e os lugares do encontro com Ele. É necessário, portanto, discernir o encontro. Por isso, o discernimento é fundamental.
Se o cristão é restauracionista, legalista, se quer tudo claro e seguro, então não encontra nada. A tradição e a memória do passado devem ajudar-nos a ter a coragem de abrir novos espaços para Deus. Quem hoje procura sempre soluções disciplinares, quem tende de modo exagerado à “segurança” doutrinal, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involutiva. E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas. Tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de cada pessoa. Deus está na vida de cada um. Mesmo se a vida de uma pessoa foi um desastre, se se encontra destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está na sua vida. Pode-se e deve-se procurar na vida humana. Mesmo se a vida de uma pessoa é um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, há sempre um espaço onde a semente boa pode crescer. É preciso confiar em Deus.
Devemos ser optimistas? Estas palavras do Papa recordam-me algumas reflexões suas do passado, nas quais o então cardeal Bergoglio escreveu que Deus vive já na cidade, vitalmente misturado no meio de todos e unido a cada um. É um outro modo, na minha opinião, para dizer o que Santo Inácio escreve nos Exercícios Espirituais, ou seja, que Deus «trabalha e opera» no nosso mundo. Pergunto-lhe então: Devemos ser optimistas? Quais são os sinais de esperança no mundo de hoje? Como conseguir ser optimista num mundo em crise?
Não gosto de usar a palavra “otimismo”, porque indica uma atitude psicológica. Gosto, pelo contrário, de usar a palavra “esperança”, segundo aquilo que se lê no capítulo 11 da Carta aos Hebreus, como já citei. Os Pais continuaram a caminhar, atravessando grandes dificuldades. E a esperança não engana, como lemos na Carta aos Romanos. Pensa, pelo contrário, no primeiro enigma da ópera Turandot, de Puccini, pede-me o Papa.
Naquele momento recordei, um pouco de memória, os versos daquele enigma da princesa que tem como resposta a esperança: Na noite escura voa um fantasma / Iluminado. / Sobe e abre as asas / Sobre a negra infinita humanidade. / Todo o mundo o invoca / E todo mundo o implora. / Mas o fantasma desaparece com a Aurora para renascer no / coração. / E cada noite nasce e cada dia morre! Versos que revelam o desejo de uma esperança que aqui, no entanto, é um fantasma cintilante e que desaparece com a aurora.
Aqui está — continua o Papa —, a esperança cristã não é um fantasma e não engana. É uma virtude teologal e, portanto, definitivamente, um presente de Deus que não se pode reduzir ao optimismo, que é apenas humano. Deus não defrauda a esperança, não pode negar-Se a Si mesmo. Deus é todo promessa.
A arte e a criatividade. Fico impressionado pela citação de Turandot para falar do mistério da esperança. Gostaria de compreender melhor quais são as suas referências artísticas e literárias. Recordo-lhe que em 2006 tinha dito que os grandes artistas sabem apresentar com beleza as realidades trágicas e dolorosas da vida. Pergunto então quais são os artistas e escritores que prefere; se eles têm algo em comum...
Gostei muito de autores diferentes entre si. Gosto muitíssimo de Dostoiévski e Hölderlin. De Hölderlin quero recordar aquela poesia para o aniversário da sua avó, que é de grande beleza e que me fez tanto bem espiritual. É aquela que termina com o verso “Que o homem mantenha o que o rapaz prometeu”. Impressionou-me também porque amava muito a minha avó Rosa, e ali Hölderlin compara a sua avó a Maria que gerou Jesus, que para ele é o amigo da terra que não considerou ninguém estrangeiro. Li I Promessi Sposi três vezes e tenho-o agora sobre a mesa para reler. Manzoni deu-me muito. A minha avó, quando eu era criança, ensinou-me de cor o início dos Promessi Sposi: “Quel ramo del lago di Como, che volge a mezzogiorno, tra due catene non interrotte di monti…”(Dos dois braços que formam o lago de Como, um deles dirige-se para o sul, entre duas cadeias ininterruptas de montanhas…) Também gostei muito de Gerard Manley Hopkins.
Na pintura admiro Caravaggio:
as suas telas falam-me. Mas também Chagall,
com a sua Crucifixão Branca...
Na música gosto muito de Mozart,
obviamente. Aquele Et Incarnatus est da sua Missa em Dó é insuperável:
leva-te a Deus! Gosto muito de Mozart executado por Clara Haskil. Mozart
preenche-me: não posso pensá-lo, devo ouvi-lo. Gosto de ouvir Beethoven, mas prometeicamente. E o
intérprete mais prometeico para mim é Furtwängler.
E depois as Paixões de Bach. O
trecho de Bach de que gosto muito é o Erbarme Dich, o pranto de Pedro
da Paixão segundo São Mateus. Sublime. Depois, num outro nível, não tão íntimo,
gosto de Wagner. Gosto de ouvi-lo,
mas não sempre. A Tetralogia do
Anel executada por Furtwängler no Scala nos anos 50 é, para mim, a
melhor. Mas também o Parsifal executado
em 1962 por Knappertsbusch.
Deveríamos também falar do cinema. La strada de
Fellini é talvez o filme de que mais gostei. Identifico-me com aquele filme,
no qual está implícita uma referência a São Francisco. Depois, creio ter visto
todos os filmes com Anna Magnani e Aldo Fabrizi quando eu tinha entre 10 e 12
anos. Um outro filme de que muito gostei é Roma città aperta. Devo a minha
cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos levavam frequentemente
ao cinema.
Em todo o caso, em geral gosto muito dos artistas trágicos,
especialmente os mais clássicos. Há uma bela definição que Cervantes coloca na boca do bacharel Carrasco para fazer o elogio da
história de Dom Quixote: “Os rapazes têm-na entre as mãos, os jovens lêem-na,
os adultos entendem-na, os velhos elogiam-na”. Esta, para mim, pode ser uma boa
definição para os clássicos.
Apercebo-me de estar absorvido por estas suas referências e de ter o desejo de entrar na sua vida, pela porta das suas escolhas artísticas. Seria um percurso a fazer, imagino que longo. E incluiria também o cinema, do neo-realismo italiano até a A Festa de Babette. Vêm-me à mente outros autores e outras obras que ele citou noutras ocasiões, mesmo menores ou menos conhecidas ou locais: de Martín Fierro de José Hernández à poesia de Nino Costa, a Il grande esodo de Luigi Orsenigo. Mas penso também em Joseph Malègue e José María Pemán. E, obviamente, em Dante e Borges, mas também em Leopoldo Marechal, o autor de Adán Buenosayres, El banquete de Severo Arcángelo e Megafón o la guerra.
Apercebo-me de estar absorvido por estas suas referências e de ter o desejo de entrar na sua vida, pela porta das suas escolhas artísticas. Seria um percurso a fazer, imagino que longo. E incluiria também o cinema, do neo-realismo italiano até a A Festa de Babette. Vêm-me à mente outros autores e outras obras que ele citou noutras ocasiões, mesmo menores ou menos conhecidas ou locais: de Martín Fierro de José Hernández à poesia de Nino Costa, a Il grande esodo de Luigi Orsenigo. Mas penso também em Joseph Malègue e José María Pemán. E, obviamente, em Dante e Borges, mas também em Leopoldo Marechal, o autor de Adán Buenosayres, El banquete de Severo Arcángelo e Megafón o la guerra.
Penso em particular precisamente em Jorge Luis Borges, porque Bergoglio, quando tinha 28 anos e era professor de Literatura em Santa Fé no Colegio de la Inmaculada Concepción, conheceu-o directamente. Bergoglio ensinava os últimos dois anos do Liceu e encaminhou os seus rapazes para a escrita criativa. Também eu tive uma experiência parecida à sua, quando tinha a mesma idade, no Istituto Massimo de Roma, fundando BombaCarta, e conto-lha. No final, peço ao Papa para me contar a sua experiência.
Foi uma coisa um pouco arriscada — responde. Devia fazer de tal modo que os meus alunos estudassem El Cid. Mas os rapazes não gostavam. Pediam-me para ler García Lorca. Então decidi que deveriam estudar El Cid em casa e durante as lições eu trataria os autores de que os rapazes mais gostavam. Obviamente, os jovens queriam ler as obras literárias mais “picantes”, contemporâneas como La casada infiel ou clássicas como La Celestina de Fernando de Rojas. Mas, ao ler estas coisas que os atraíam naquele momento, ganhavam mais gosto em geral pela literatura, pela poesia e passavam a outros autores. Para mim, esta foi uma grande experiência. Cumpri o programa, mas de modo desestruturado, isto é, não ordenado segundo aquilo que estava previsto, mas segundo uma ordem que resultava natural na leitura dos autores. E esta modalidade tinha muito que ver comigo: não gostava de fazer uma programação rígida, mas eventualmente saber mais ou menos onde chegar. Então comecei também a fazê-los escrever. No final decidi dar a ler a Borges dois contos escritos pelos meus rapazes. Conhecia a sua secretária, que tinha sido a minha professora de piano. Borges gostou muitíssimo e então ele propôs escrever a introdução de uma colectânea.
Então, Santo Padre, para a vida de uma
pessoa a criatividade é importante?, pergunto-lhe. Ele ri e responde: Para um jesuíta é extremamente importante!
Um jesuíta deve ser criativo.
Fronteiras e
laboratórios. Criatividade, portanto: para um jesuíta é importante. O Papa Francisco,
ao receber os Padres e colaboradores de La Civiltà Cattolica, tinha
traçado uma tríade de outras características importantes para o trabalho
cultural dos jesuítas. Regresso à memória desse dia, o passado 14 de Junho.
Recordo que então, no colóquio prévio ao encontro com todo o nosso grupo, me
tinha pré-anunciado a tríade: diálogo, discernimento, fronteira. E
tinha insistido particularmente no último ponto, citando-me Paulo VI, que num
famoso discurso tinha dito dos jesuítas: Onde
quer que, na Igreja, também nos campos mais difíceis e de vanguarda, nas
encruzilhadas das ideologias e nas trincheiras sociais, tenha havido e haja o
confronto entre as exigências ardentes do homem e a mensagem perene do
Evangelho, lá estiveram e estão presentes os jesuítas.
Peço ao Papa Francisco algum
esclarecimento: Pediu-nos para estarmos atentos, para não cair na “tentação de
domesticar as fronteiras: deve ir-se em direção às fronteiras, e não trazer as
fronteiras para casa a fim de envernizá-las um pouco e domesticá-las”. A que é que se referia? O que é que
pretendia dizer-nos exatamente? Esta entrevista foi acordada num grupo de
revistas dirigidas pela Companhia de Jesus: que convite deseja exprimir-lhes?
Quais devem ser as suas prioridades?
As três palavras-chave que dirigi a La Civiltà Cattolica podem ser extensivas a todas as
revistas da Companhia, quiçá com diferentes acentuações segundo a sua natureza
e os seus objetivos. Quando insisto na fronteira, de modo particular, refiro-me
à necessidade para o homem da cultura de estar inserido no contexto em que
opera e sobre o qual reflete. Está sempre à espreita o perigo de viver num
laboratório. A nossa fé não é uma fé-laboratório, mas uma fé-caminho, uma fé
histórica. Deus revelou-Se como história, não como um compêndio de verdades
abstratas. Tenho medo dos laboratórios, porque no laboratório pegam-se nos
problemas e levam-se para a própria casa, para domesticá-los, para os
envernizar, fora do seu contexto. Não é preciso levar a fronteira para casa,
mas viver na fronteira e ser audazes.
Peço ao Papa se pode dar algum exemplo
baseado na sua experiência pessoal.
Quando se fala de problemas sociais, uma coisa é reunir-se para estudar
o problema da droga num bairro-de-lata, e uma outra coisa é ir lá, morar e
compreender o problema a partir de dentro e estudá-lo. Há uma carta genial do
P. Arrupe aos Centros de
Investigación y Acción Social (CIAS) sobre a pobreza, na qual se
diz claramente que não se pode falar de pobreza se não se experimenta com
inserção direta nos lugares nos quais ela se vive. Esta palavra “inserção” é
perigosa, porque alguns religiosos a tomaram como uma moda, e aconteceram
desastres por falta de discernimento. Mas é verdadeiramente importante.
E as fronteiras são tantas. Pensemos nas religiosas que vivem nos
hospitais: elas vivem nas fronteiras. Eu estou vivo graças a uma delas. Quando
tive o problema no pulmão no hospital, o médico deu-me penicilina e estretomicina
em certas doses. A Irmã que estava de serviço triplicou as doses, porque tinha
intuição, sabia o que fazer, porque estava com os doentes todo o dia. O médico,
que era verdadeiramente bom, vivia no seu laboratório, a Irmã vivia na
fronteira e dialogava com a fronteira todos os dias. Domesticar a fronteira
significa limitar-se a falar de uma posição distante, fechar-se nos
laboratórios. São coisas úteis, mas a reflexão para nós deve sempre partir da
experiência.
Como o homem se
compreende a si mesmo. Pergunto então ao Papa se isto é válido e de que
modo, mesmo para uma fronteira cultural importante, como é a do desafio
antropológico. A antropologia a que a Igreja tradicionalmente tem feito
referência e a linguagem com a qual a expressou mantêm-se como uma referência
sólida, fruto da sabedoria e da experiência seculares. Todavia, o homem a que a
Igreja se dirige já não parece compreendê-las ou considerá-las suficientes.
Começo a pensar no fato de que o homem está a interpretar-se num modo diferente
do passado, com categorias diferentes. E isto também por causa das grandes
mudanças na sociedade e de um mais amplo estudo de si próprio...
O Papa neste momento levanta-se e vai
buscar o breviário à sua escrivaninha. É um breviário em Latim, já muito gasto
pelo uso. Abre-o no Ofício de Leitura da Feria sexta, isto é,
sexta-feira da XXVII semana. Lê-me uma passagem tirada do Commonitórium
Primum de São Vicente de Lérins: ita étiam christiánae
religiónis dogma sequátur has decet proféctuum leges, ut annis scílicet
consolidétur, dilatétur témpore, sublimétur aetáte (“Mesmo o dogma da
religião cristã deve seguir estas leis de aperfeiçoamento. Progride,
consolidando-se com os anos, desenvolvendo-se com o tempo, aprofundando-se com
a idade”).
E assim continua o Papa: São Vicente de Lérins faz a comparação entre
o desenvolvimento biológico do homem e a transmissão de uma época à outra do depositum fidei, que cresce e se
consolida com o passar do tempo. Cá está: a compreensão do homem muda com o
tempo e assim também a consciência do homem aprofunda-se. Pensemos no tempo em
que a escravatura era aceite ou a pena de morte era admitida sem nenhum
problema. Assim, cresce-se na compreensão da verdade. Os exegetas e os teólogos
ajudam a Igreja a amadurecer o próprio juízo. Também as outras ciências e a sua
evolução ajudam a Igreja neste crescimento na compreensão. Existem normas e
preceitos eclesiais secundários que noutros tempos eram eficazes, mas que agora
perderam valor ou significado. Uma visão da doutrina da Igreja como um bloco
monolítico a defender sem matizes é errada.
De resto, em cada época o homem procura compreender e exprimir melhor a
sua própria realidade. E assim o homem, com o tempo, muda o modo de se perceber
a si mesmo: uma coisa é o homem que se exprime esculpindo a Nike (Vitória) de Samotrácia, outra a de Caravaggio, outra a de Chagall e ainda outra a de Dalí. Também as formas de expressão da
verdade podem ser multiformes e isto é necessário para a transmissão da
mensagem evangélica no seu significado imutável.
O homem está à procura de si mesmo, e, obviamente, nesta procura pode
também cometer erros. A Igreja viveu tempos de genialidade, como, por exemplo,
o do tomismo. Mas viveu também tempos de decadência de pensamento. Por exemplo,
não podemos confundir a genialidade do tomismo com o tomismo decadente. Eu,
infelizmente, estudei a filosofia com manuais de tomismo decadente. No pensar o
homem, portanto, a Igreja deveria tender à genialidade, não à decadência.
Quando é que uma expressão do pensamento
não é válida? Quando o pensamento perde de vista o humano ou até quando tem
medo do humano ou se deixa enganar sobre si mesmo. É o pensamento enganado que
pode ser representado como Ulisses diante do canto das sereias, ou como Tannhäuser, rodeado numa orgia por
sátiros e bacantes, ou como Parsifal,
no segundo ato da ópera wagneriana, no castelo de Klingsor. O pensamento da
Igreja deve recuperar genialidade e entender sempre melhor como é que o homem
se compreende hoje, para desenvolver e aprofundar o próprio ensino.
Rezar. Coloco ao Papa uma
última pergunta sobre o seu modo preferido de rezar.
Rezo o Ofício todas as manhãs. Gosto de rezar com os Salmos. Depois, a seguir, celebro a Missa. Rezo o Rosário. O que verdadeiramente prefiro é a Adoração vespertina, mesmo quando me distraio e penso noutra coisa ou mesmo quando adormeço rezando. Assim, à tarde, entre as sete e as oito, estou diante do Santíssimo durante uma hora, em adoração. Mas também rezo mentalmente quando espero no dentista ou noutros momentos do dia.
E a oração é para mim uma oração “memoriosa”, cheia de memória, de recordações, também memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez na sua Igreja ou numa paróquia particular. Para mim é a memória de que Santo Inácio fala na Primeira Semana dos Exercícios, no encontro misericordioso com Cristo Crucificado. E pergunto-me: “Que fiz por Cristo? Que faço por Cristo? Que farei por Cristo?” É a memória de que fala Inácio também na Contemplatio ad amorem, quando pede para trazer à memória os benefícios recebidos. Mas, sobretudo, eu sei também que o Senhor tem memória de mim. Eu posso esquecer-me d’Ele, mas sei que Ele nunca, nunca, se esquece de mim. A memória funda radicalmente o coração de um jesuíta: é a memória da graça, a memória de que se fala no Deuteronômio, a memória das obras de Deus que estão na base da aliança entre Deus e o seu povo. É esta memória que me faz filho e me faz ser também pai.
Rezo o Ofício todas as manhãs. Gosto de rezar com os Salmos. Depois, a seguir, celebro a Missa. Rezo o Rosário. O que verdadeiramente prefiro é a Adoração vespertina, mesmo quando me distraio e penso noutra coisa ou mesmo quando adormeço rezando. Assim, à tarde, entre as sete e as oito, estou diante do Santíssimo durante uma hora, em adoração. Mas também rezo mentalmente quando espero no dentista ou noutros momentos do dia.
E a oração é para mim uma oração “memoriosa”, cheia de memória, de recordações, também memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez na sua Igreja ou numa paróquia particular. Para mim é a memória de que Santo Inácio fala na Primeira Semana dos Exercícios, no encontro misericordioso com Cristo Crucificado. E pergunto-me: “Que fiz por Cristo? Que faço por Cristo? Que farei por Cristo?” É a memória de que fala Inácio também na Contemplatio ad amorem, quando pede para trazer à memória os benefícios recebidos. Mas, sobretudo, eu sei também que o Senhor tem memória de mim. Eu posso esquecer-me d’Ele, mas sei que Ele nunca, nunca, se esquece de mim. A memória funda radicalmente o coração de um jesuíta: é a memória da graça, a memória de que se fala no Deuteronômio, a memória das obras de Deus que estão na base da aliança entre Deus e o seu povo. É esta memória que me faz filho e me faz ser também pai.
Conclusão. Dou-me conta que
continuaria ainda por muito tempo este diálogo, mas sei que, como o Papa disse
uma vez, não é preciso «maltratar os limites». Dialogamos amplamente por mais
de seis horas, ao longo de três encontros, nos dias 19, 23 e 29 de Agosto. Aqui
preferi articular o discurso sem assinalar os intervalos, para não perder o fio
condutor. A nossa foi, na realidade, uma conversa, mais que uma entrevista: as
perguntas fizeram de pano de fundo sem limitá-la em parâmetros pré-definidos e
rígidos. Mesmo linguisticamente atravessamos fluidamente o Italiano e o
Espanhol sem que nos apercebêssemos de quando em vez das mudanças. Não houve
nada de mecânico e as respostas nasceram no interior de um pensamento que aqui
procurei transmitir, de modo sintético, o melhor que pude.
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