Como é que isso não aconteceu antes? (Francis Franco)

Pe. J. Ramon e eu na praça Sultanahmet, e momento da explosão fotografado por um turista...
Como é que isso não aconteceu antes? Essa foi a pergunta que me fiz após ver a notícia sobre o ataque terrorista ocorrido em Istambul dias atrás. Tendo a concordar com os especialistas quando dizem que, se uma pessoa sente que as regras de segurança são muito rigorosas, é sinal de que elas estão funcionando. Se uma pessoa quase não percebe as normas, é por que elas provavelmente funcionam ainda melhor.
O problema é quando nos sentimos desconfiados, sem acreditarmos que os tais “procedimentos de segurança” realmente estão funcionando. Onde um cidadão comum sente desconfiança, um criminoso enxerga uma oportunidade, uma brecha.
Tive a oportunidade de presenciar como eram as regras para se entrar nos EUA antes de 2001, e também após o 11/SET daquele ano. Amigos norte-americanos diziam-me que abriam mão de alguns minutos de comodidade em prol do coletivo, da segurança que todos gozavam com as rotinas de revista e checagem das autoridades. O fato das revistas terem se tornado mais rigorosas dava a todos a sensação (ainda que meramente psicológica) de segurança. O pragmatismo americano de que “a eterna vigilância é o preço da liberdade” não poderia ter sido concretizado em melhor forma.
Outra lembrança que me ocorre foi quando Renata e eu voamos pela El Al, companhia aérea israelense. Um prato cheio para qualquer desequilibrado que quisesse repetir Munique em 1972. Pois bem, o voo inteiro foi separado em uma ala vazia do aeroporto e, antes do check-in, várias filas foram formadas. Encabeçando cada uma delas, um israelense a fazer inúmeras perguntas: quem é você, qual é sua profissão, motivo da viagem a Israel, conhece alguém lá, vai se encontrar com alguém, dentre outras. Detalhe: em nenhum momento se é informado se aquele que interroga é funcionário da companhia aérea, membro da tripulação, policial ou agente do Mossad. Alguns talvez sejam tudo isso. Além disso, assim que comecei a responder às perguntas, uma funcionária dirigiu-se até a Renata e, em separado, começou a “entrevista” com ela. Quando nós dois terminamos, os dois funcionários pediram que aguardássemos e foram fazer o “double check”: confrontar as respostas que havíamos dado. Eles já sabiam que éramos esposos e tinham ciência de nossos itinerários passados e futuros, antes de todo o processo. Aliás, processo esse que foi demorado, mas muito respeitoso e agradável. Após as informações de praxe, assuntos diversos foram pauta da minha conversa com o agente, que falava português e inglês perfeitamente. Resultado: Renata e eu sentimo-nos seguros e conseguíamos perceber o mesmo no semblante de todos os outros passageiros.
Entretanto, Renata e eu tivemos um percalço certa vez, em outro local. Estávamos com um grupo, atravessando o posto de imigração, quando nossos passaportes foram retidos. O funcionário da imigração parecia confuso por detrás da grossa camada de vidro e só dizia que havia um problema e que não poderíamos prosseguir. Ele pegou um telefone e começou a falar em uma língua muito diferente de qualquer outra coisa para que arriscássemos interpretar. Ele apanhou nossos passaportes e marcou-os com um carimbo vermelho. “Mau sinal”, pensamos ao nos entreolharmos. Pedimos mais informações, mas o atendente da imigração falava um inglês macarrônico (!!!) e apenas gesticulou em direção a outro guichê, mais afastado. Começamos a ficar preocupados, pois nosso voo sairia em pouco tempo. Pedimos informações a vários funcionários que, aparentemente, não falavam inglês. Voltei ao guichê anterior e quase fui contido por seguranças, mas tive tempo de explicar ao funcionário da imigração que nosso voo iria partir e não sabíamos por que estávamos detidos ali. Ele, com mais alguns gestos, pediu para que eu voltasse ao local em que estava e colocou o telefone no ouvido. Voltei e ele ligou para o funcionário do guichê isolado, onde Renata e eu já nos encontrávamos. Após alguns minutos, já de posse de nossos passaportes, o funcionário desligou o telefone, bateu outro carimbo e disse que deveríamos passar pela imigração… através da fila de embarque diplomático. Embora estivéssemos loucos para sair dali, Renata e eu não fazíamos parte de nenhum corpo diplomático. Questionamos, mas o atendente disse que era aquele caminho mesmo. A fila de homens engravatados passou a fitar aquele casal de turistas com trajes esportivos e mochilas nas costas, mas seguiu seu curso. O funcionário da esteira e da revista nos saudou com um inglês muito melhor do que aquele da imigração e nos desejou uma boa viagem.

Renata e eu saímos e conseguimos, após uma breve corrida, apanhar nosso voo. Contudo, até hoje não sabemos o que foi que aconteceu, o que nos deixou com uma péssima impressão sobre a organização e a pretensa estrutura de segurança. E toda essa epopeia ocorreu no aeroporto Ataturk em… Istambul. Portanto, por mais que pesem as questões geopolíticas e, principalmente, a ambiguidade da relação turca com o Daesh (Estado Islâmico), não foi com surpresa que questionei-me ao saber da explosão do homem-bomba na praça Sultahnamet: Como é que isso não aconteceu antes?

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