A queda de Brasília... (Eduardo Machado/BH)

           
     
Numa aula de História (daqui a cem anos)
O cenário é nosso velho conhecido. Alunos sentados em filas, o professor lá na frente, deitando falação. A novidade são as carteiras, cujo tampo é uma tela interativa igual à do professor, que substituiu a lousa (ops, no meu tempo já não existia lousa...). De lá, os alunos têm acesso instantâneo ao mundo.

Diz o mestre:
- Hoje vamos estudar a “Queda de Brasília”.

- Não é “da Bastilha, fessor”, diz o Joãozinho lá no fundão, enquanto manda um zapinbox para a Julinha, a lourinha mais jeitosa da turma.

- Não, é Brasília mesmo, no Brasil. Bastilha foi na França, em 1789. Brasília caiu em 13 de setembro de 2016. Foi assim:
O Brasil vivia um dos muitos momentos de crise da sua história. E dessa vez era geral. Crise econômica, desemprego, recessão e, vejam só, muita corrupção. Naquele tempo havia muita corrupção no Brasil...
Mas, a diferença estava no fato de que, por motivos vários, as denúncias que vinham à tona, pela primeira vez na história do país, estavam sendo realmente apuradas e os corruptos de primeiro escalão, grandes empresários, políticos influentes, estavam sendo julgados, condenados e indo pra cadeia.

- Cadeia? O que é isso, professor?

- Era o lugar para onde mandavam criminosos, naquele tempo e de onde eles saiam piores ainda. Mas isso eu explico noutra aula.
Apesar da surpreendente ação da Justiça, as elites que ocupavam o poder tinham ainda grande controle da situação. Uma presidenta acabara de ser destituída por um impeachment...

- Presidenta? Impeachment?

- Olha, meninos, se eu for explicar tudo tin tin por tin tin, não vamos sair daqui hoje. Bruno, desliga esse teizer e presta atenção. Aqui não tem nenhum pokemon!

- Tin tin por tin tin...? O professor surtou…

- Bem, como eu dizia, a presidenta caíra e o interino virou titular. Esse aí, na tela, com cara de vampiro. E um dos acordos que fizeram entre eles pra derrubar a presidenta, era salvar a pele de um deputado que se tornara símbolo da corrupção, um tal de Eduardo Cunha. Por isso tem gente que fala na ‘Queda do Cunha’, que acabou derrubando Brasília.

- Eduardo, fessor, igual o senhor. O que ele fez?

- Eu não sou Cunha! Sou Machado e não sou ladrão! E seria mais fácil dizer o que ele NÃO fez... Continuando: os aliados do Cunha e do vampiro combinaram de fazer a sessão que julgaria o deputado numa segunda feira, dia em que tradicionalmente não havia quórum na casa, um 12 de setembro, para ser mais preciso. O Brasil ainda vivia a ressaca de uma Olimpíada e estava a vinte dias de uma eleição municipal. Ou seja, a sessão ia acontecer na calada da noite (ou do dia).
Pelas regras, para cassar o deputado, precisava de metade dos votos mais um. Com o plenário esvaziado, seria grande a chance de ele não ser punido. E foi o que aconteceu. Dos 500 e tantos deputados que havia, apenas 237 compareceram. O curioso é que, numa das denúncias, um delator disse que o deputado exigiu uma propina dizendo que tinha 200 deputados pra sustentar...
O placar confirmou: 200 a 37ª, a favor do Cunha. Só que...
Eles, acostumados a viver naquela ilha da fantasia que era a Brasília daqueles tempos, não imaginavam que haveria reação. E ela começou quando um professor postou no Facebook (que era o IC (Instant Connections) daqueles tempos, uma longa carta onde dizia da sua indignação e convocava a população a ter vergonha na cara e não engolir aquele escárnio.

- O fessor empolgou, tá falando igual meu avô...

 - A coisa começou aos poucos. De todo os cantos do Brasil começaram a chegar caravanas, carros, gente desembarcando na Rodoviária (depois eu explico o que é carro e Rodoviária, Joãozinho), no aeroporto e indo todos acampar no gramado, em frente ao Congresso. Naqueles dias, suas excelências estavam votando aumentos para si mesmos e seus asseclas. A casa estava cheia.

- Asseclas? Pirou...

- A multidão cercou o prédio. Ninguém entra, ninguém sai. O grupo se dividiu em três. Uma parte ficou no Congresso, outra cercou o Supremo Tribunal Federal e um terceiro grupo sitiou o Palácio do Planalto. Entrava em cena o Poder acima dos três poderes, o povo, do qual, segundo o artigo primeiro, parágrafo primeiro da Constituição, “emana todo poder, que é exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Ou seja, se os representantes não são fiéis ao exercício do poder, conforme foram eleitos, o povo pode e deve assumir diretamente os destinos da nação.

- Isso é que é revolução, professor?

- Sim, meu caro, isso é Revolução. E a História está cheia de momentos assim, que mudaram o rumo das coisas e dos acontecimentos...
Ali, na Queda de Brasília, o Brasil começou a mudar.

- Sem violência?

- No início, houve quem quisesse colocar fogo no circo (depois explico o que é circo...). Alguém, inspirado, com certeza, pela Revolução Francesa, sugeriu aproveitar o formato dos prédios do Congresso e instalar ali uma guilhotina gigante, usando a cúpula côncava como cesto, mas a ideia foi logo descartada.
Líderes do movimento lembraram o projeto de lei que estava engavetado no Congresso e propunha implementar medidas de combate à corrupção a partir da experiência do Ministério Público. Seriam dez medidas para aprimorar a prevenção e o combate à corrupção e à impunidade.
Só sai daí depois de votar a lei! Era o grito da multidão.
O presidente do Congresso, um dos mais interessados em abafar o movimento, ligou para os militares do Alto Comando pedindo intervenção e proteção. O general que atendeu disse que ia, sim, colocar a tropa na rua, para apoiar a multidão.
Resumo: a lei foi aprovada, outras vieram, inclusive uma que implementava uma verdadeira reforma política (o povo não arredou pé até que suas excelências votassem a pauta completa de reivindicações), eleições gerais foram marcadas, já sob os auspícios da nova legislação e o país começou uma lenta, gradual e segura caminhada rumo à sua reintegração moral, política, econômica e social.

- E o Cunha, fessor, o que foi feito dele?

- O movimento revolucionário criou um comitê apelidado de Esquadrão Curitiba. O interessante é que todos os seus membros eram nisseis e sanseis, tanto que eram chamados de “japoneses da Federal”.
Pois bem, os deputados, agora com quórum completo, cassaram o correntista suíço (depois eu explico) e o Esquadrão Curitiba levou-o a julgamento sem as tais imunidades e impunidades parlamentares, além do famigerado foro privilegiado, que também caíra na reforma.
Julgado e condenado, na forma da nova lei, teve que devolver o dinheiro roubado, perdeu privilégios, bens e propriedades, inclusive o que estava em nome de laranjas...

- Quê que laranja tem com isso, fessor?

- Depois explico...
Resumindo, o Cunha se ferrou, ele e outros, em seguida, enquadrados na nova legislação. E foi assim, meninos, de forma bem resumida, a “Queda de Brasília”, página da nossa História sem a qual vocês não estariam vivendo no país em que vivem hoje.

- Mas ainda tem corrupção, fessor,

- Mas não tem impunidade, Joãozinho, isso faz muita diferença.

- Gostei da aula, fessor, mas o senhor deixou um monte de coisa sem explicar...

- Assunto para amanhã, turma. Hora do recreio!

- Êêêê!!!

- Aluno é tudo igual...

3 comentários: