Qual é o Deus de
Trump? É um Deus tão “americano” a ponto de ser indecifrável para a Europa? É
um Deus – ou, melhor, um Tele-Deus – construído sobre o “prosperity Gospel”, ou
aquele que ensina que a “financial blessing” é prova de graça? Ou é o Deus do
Evangelho, presente na carne daquele Lázaro – citado nas saudações do Papa a
Trump –, cuja miséria julgará quem foi
surdo à privação do pobre? O discurso inaugural do presidente, em grande
parte, respondeu a essas perguntas.
Desde sempre, o momento de assunção do ofício de presidente dos Estados
Unidos é repleto de sinais religiosos
cristãos – da Bíblia sobre a qual se consuma o juramento à bênção proferida
por uma autoridade religiosa. E, portanto, obriga o presidente a um definitivo
posicionamento sobre o problema espiritual.
Trump permaneceu no
rastro de um cerimonial que sempre suplicou “God bless America”, mas que, desta
vez, mais do que pedir, parecia ordenar ao Pai Eterno que se adequasse à nova
ideologia da “America first”.
O Deus de Trump aparecia já em contraluz na oração de Paula White, primeira mulher a pronunciar a
bênção ritual. Líder de uma mega-igreja
pentecostal, há 15 anos diretora espiritual de Trump.
A pastora, na
sociedade pluralista por excelência, explicou nos mínimos detalhes a Deus o que
Ele deve fazer pelo presidente, pelo vice, “pelas suas famílias” e
pelo país. Definida ora como herética,
ora como charlatã antitrinitária
pelo protestantismo “mainstream” e por importantes setores do catolicismo, Paula White citou o Livro dos Provérbios e
a retórica dos Estados Unidos como dom de Deus (aos estadunidenses).
O Deus de Trump foi apresentado como a garantia de um privilégio
estadunidense, de direito de comandar, obtido distorcendo o Salmo 133. “Como é bom, como é suave que os irmãos vivam
juntos”, diz aquele breve poema que consola uma pequena minoria de israelitas
piedosos e que foi usado também pelos cristãos dentro de uma visão
universalista da fraternidade humana. Trump,
ao contrário, corrigiu o texto do salmo e explicou que “a Bíblia” ensina
como “é bom e suave” (e até aqui vai o Salmo) “quando o povo de Deus viva junto
em unidade”. Trump reivindicou aos
Estados Unidos a tarefa de “povo escolhido”, portador de uma espécie de
teologia da singularidade global.
O excepcionalismo estadunidense, antigamente usado para justificar o
dever de defender as liberdades no mundo, foi usado por Trump para se defender
do mundo da liberdade. O povo estadunidense entendido como “o” povo de Deus não
é uma entidade política, mas sim uma comunidade mística de destino. E – disse o
presidente – tem dois protetores: o primeiro é a força, do exército e da
polícia; o outro é justamente Deus, dito por segundo, por ser mais funcional a
uma unidade que não passa pelas instituições, mas pelos símbolos e pelo povo.
Ao lado dessa distorção, Trump
introduziu um Deus do Sangue, que, quando é invocado, é sempre ouvido. O presidente exaltou a mística do Sangue
dos patriotas – sempre vermelho, na prosa trumpiana –, e, a partir daí,
derivou uma distinção dentro da própria criação. Em uma das passagens finais,
de fato, ele disse que a unidade do novo “povo eleito” se deve ao fato de que
as crianças de Detroit ou do Nebraska tem sobre si o mesmo céu noturno, sonham
com o coração os mesmos sonhos e receberam o “sopro vital” do mesmo “criador
onipotente”: o que é conceitualmente inadmissível pela antropologia bíblica. Porque esse céu noturno, esses sonhos e
esse sopro não são diferentes para as crianças do mundo em relação às crianças
estadunidenses.
Mas é evidente que, no calor eleitoralista, já há uma “política”
religiosa. E, nessas distorções
teológicas, há uma primeira e duríssima resposta ao Papa Francisco que,
nessa sexta-feira, referindo-se à “família humana”, aos “ricos valores
espirituais e éticos” da história estadunidense, à dignidade do homem e do
pobre Lázaro, quiseram marcar uma
distância também teológica: “prosperity Gospel” contra “catolicismo do
evangelho”. Estamos nos primeiros minutos de um duelo que será duro.
E eu me pergunto: Esse Deus é o de Jesus?
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