O filme espanhol-mexicano, “O Labirinto do
Fauno” (2006), do diretor Guillermo Del Toro, narra a história
de Ofélia e de sua mãe grávida e
doente, Carmen, no tempo do
pós-guerra civil espanhola, em pleno regime da ditadura franquista. Ambas chegam ao vilarejo, onde Carmen, a mãe
de Ofélia se casará com o capitão das tropas fascistas, Vidal, em luta
contra os rebeldes escondidos nas montanhas. Na casa, Ofélia faz amizade com a governanta Mercedes, que também é uma
rebelde infiltrada para garantir suprimentos, remédios e informações para os
seus correligionários e combatentes da floresta.
O filme transporta
os espectadores para essa dura realidade com uma fotografia sombria que recorda
as pinturas mais atormentadas de Goya. O
efeito visual é perfeito para apresentar o mundo real, violento e assustador
por onde Ofélia transita e é obrigada a se instalar. Mas a tarefa do expectador é aliviada pelo mundo imaginário e paralelo
criado pela menina. A partir de seu encontro com um ser mitológico, o
fauno, supreendentemente interpretado pelo ator Doug Jones, se desencadeia um
precioso jogo que põe em paralelo a
realidade e a fantasia, o mundo produzido por Ofélia e o mundo resultante
das ações do seu padrasto, o capitão Vidal, os seres mitológicos e a monstruosidade
real da sociedade desumana e brutal do fascismo espanhol.
O Fauno. É um ser imaginário, metade humano (membros
superiores), metade bode (membros inferiores), presente na mitologia
greco-romana, muitas vezes representado com chifres, coroa de ramos e uma
flauta. O fauno se apresenta à menina no
labirinto e, dali, passa a lhe oferecer artefatos para que cumpra suas tarefas
a fim de adentrar no reino de seu pai. A personalidade do Fauno é enigmática.
Ele oscila entre o amigo que encanta a menina, reconhecendo-a e declarando-a
uma princesa do reino, mas ao mesmo tempo, com um perfil ardiloso e até
insidioso. Ao final, contudo, acaba se revelando um fiel servidor do reino,
onde a menina é recebida como herdeira do rei e como vitoriosa protagonista.
O fauno é um verdadeiro mistagogo. Ele reconhece a
dignidade daquela que inicia, sem, contudo, lhe poupar nada da sua tarefa. Em
momentos oportunos ele aparece para sinalizar o progresso e intensificar a
busca de sua escolhida. O fauno não entra no mundo fantástico de Ofélia, apenas
a visita em seu mundo real. Ao final do filme, percebe-se a qual mundo ele
pertence.
Os mundos em
paralelo. O filme é constituído de três mundos: o mundo dito “real”, onde predomina o
caos, a violência e maldade humanas. Povoado de pessoas humanamente frágeis,
este mundo real é inadequado para Ofélia. Nele ela é destituída de seu pai, de
sua mãe e de sua infância. O capitão Vidal faz paralelo com a menina, pois
também transita entre submundos dos
rebeldes e dos fascistas. O malvado capitão Vidal encarna aquele que
destitui a todos daquilo que são e daquilo que possuem, relegando-os à sua
subserviência.
O mundo fantástico de Ofélia é cheio de seres
imaginários: três fadas, um sapo gigante, um monstro canibal,
lugares escusos e só acessíveis mediante o livro, o giz e o esforço da menina.
É um mundo perigoso, que no fundo retrata miticamente e traduz o mundo real com
o qual está amalgamado. É um mundo transitório, aonde ela adentra e donde
retorna. Existe por fim, o mundo do reino secreto, protegido pelo labirinto.
Nele, a menina entra depois de sua prova final. É um mundo desconhecido,
contudo ordenado e acolhedor. A ele pertence o fauno, o rei e a rainha, os
súditos que a acolhem festivamente e Ofélia que é recebida depois de cumprir as
suas provas. Mas este mundo novo lhe restitui, com todas as honrarias, sua
dignidade de princesa, isto é, de herdeira do reino.
As provas. Elas visam o
aprimoramento de Ofélia e o acesso ao mundo do reino. Esse aprimoramento, tem a
ver com sua essência de princesa e herdeira do reino. Elas agigantam a menina e lhe amadurecem. Ora tida pela mãe como
teimosa e pelo padrasto como mimada, tem do fauno outra apreciação: ele vê na
menina o seu valor, quando a reconhece sua pertença ao reino e quando lhe dá as
provas, por confiança e como desafio.
A menina Ofélia, a
princesa. Ofélia migra de uma situação de dependência e
submissão de sua mãe e, indiretamente, do padrasto, para a condição de
autonomia, sendo capaz de atitudes nobres. Ela
é transformada à medida em que realiza o trânsito entre os mundos. E não
faz o processo de modo autocentrado e egoísta. Está no extremo oposto do capitão Vidal. Ofélia transita
livremente entre os dois mundos, o real e o imaginário e, ao final e
definitivamente, ao mundo do reino do seu verdadeiro pai. No fim, já tendo perdido a sua mãe, Ofélia experimenta a prova maior de
dar voluntariamente a sua vida pelo irmão recém-nascido.
O labirinto. O labirinto é,
no filme, um portal para o reino escondido. Como símbolo ele sempre representou
as buscas humanas, a orientação no caminho da vida, o procurar e o
encontrar-se, mas também o perder-se. É
uma referência à busca espiritual que todos empreendem na vida. O labirinto
é o destino final de Ofélia e Vidal. Mas esse labirinto apenas espelha o enredo
do filme que dispõe os personagens em permanente busca. Enquanto alguns se
perderam, outros se encontraram. Paradoxalmente,
tanto Ofélia quanto o capitão morrem.
Um instrumento. O filme “O
labirinto do fauno” pode se converter em um precioso instrumento de formação e de capacitação de agentes pastorais
da Iniciação Cristã. Seu roteiro e suas imagens são assaz sugestivas para
uma abordagem leve e ilustrativa de um desafio sempre presente à Igreja, iniciar à fé.
Pode também ser tomado como um
questionamento do nosso modo de iniciar à fé. Talvez precisemos de uma corajosa conversão pastoral que inclua mudança
de mentalidades, de posturas e práticas. Talvez tenhamos de nos dispor a
entrar num labirinto, dispostos a buscar e a perder, para encontrar o portal do
Reino
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