Caravaggio...
Quando Freud tentou desenvolver uma teoria das emoções e da mente, esbarrou
numa grande dificuldade: pensando de forma razoável, julgou que nossa mente atua a nosso favor, isto é, que ela procura
fazer o que lhe beneficia e se afastar do que lhe é nocivo. No início, Freud imaginou que o prazer regia nosso
funcionamento mental (o prazer adquiriu várias noções em seu pensamento,
sendo a primeira a ideia de uma homeostase, isto é, o equilíbrio ou estabilidade de estímulos), entrando somente em
desacordo com a realidade bruta – que nos impedia de colocarmos em prática
todos os nossos exercícios prazerosos.
Contudo, com a sua prática
clínica, logo percebeu um equívoco. No atendimento de seus pacientes, era patente um movimento psicológico
irracional da parte deles – comportamentos,
emoções e pensamentos que iam, consciente ou inconscientemente, contra o
indivíduo. Esses movimentos lhes traziam desprazer e sofrimento, lhes
faziam repetir os mesmos erros, padrões de comportamento ou pensamento num ciclo mórbido de contornos aparentemente
masoquistas. Escolhas amorosas
semelhantes que levam sempre ao mesmo desastre no relacionamento; brigas
com o namorado ou cônjuge que parecem boicotar a relação ou um momento de
alegria; fracassos profissionais praticamente premeditados; boicotes ao sucesso privado ou público;
ações praticamente deliberadas rumo à bancarrota financeira; enfim, um sujeito atentando contra si mesmo –
que sentido teria isso?
A ideia de que o prazer regia a mente parecia não só insuficiente, mas
contrária a tal percepção, de modo que Freud
teve de renovar sua teoria com um conceito à primeira vista estranho: a pulsão
de morte. Freud incluía, com esse conceito, um campo de “irracionalidade”
no nosso funcionamento mental. De certo modo, Freud nunca conseguiu resolver
esse dilema, tendo recorrido a explicações quase simbólicas, como a ideia de
que duas forças antagônicas (eros,
a pulsão de vida; e tânatos, a pulsão de morte) atuam em nossa mente.
Assim, esse fenômeno irracional ocorreria quando da “vitória” de tânatos
sobre eros.
Lacan também percebeu
o mesmo fenômeno, trabalhando-o dentro de sua temática sobre o gozo, um conceito que abrangia aquele tipo de satisfação oriunda de uma repetição de
sintomas ou padrões. Sua abordagem é mais profunda e – por incrível que
pareça – mais esclarecedora que a de Freud, tornando-se um dos grandes trunfos
da clínica lacaniana (Lacan distinguiu o gozo da pulsão, sendo esta
caracterizada pela impossibilidade de atingir a satisfação plena). O que ela nos diz sobre esse fenômeno? Não
temos como responder plenamente a pergunta sobre esse complexo e estranho
dilema, mas podemos arriscar algumas
hipóteses.
O encontro com a satisfação plena, quer se trate de atingir
profissionalmente o topo profissional, quer encontrar um objeto amoroso que
supostamente é tudo aquilo que desejávamos, adquire para as pessoas um caráter enlouquecedor (de fato, o gozo
pleno existe, mas somente na loucura e na drogadição). A primeira razão para
isso é que encontrar a plenitude (num objeto amoroso, por exemplo) é uma incrível ameaça de dependência: o que
sobra de nós se encontrarmos fora de nós o objeto perfeito? Como
sobreviveríamos não só a uma possível perda, mas ao cotidiano com ele –
buscando garantir, a todo custo, sua permanência junto a nós? A segunda razão
também assusta: encontrar o objeto
perfeito nos assombra com a morte do desejo – se já o encontramos, o que
nos fará levantar da cama, que força nos mobilizará, senão o desejo?
Por si só, o esvaziamento do
desejo já nos angustia, porém o cenário é pior. Sem sua energia, não
ficamos totalmente sem forças, mas uma nova força assume seu lugar: a angústia da perda do objeto perfeito.
Quer dizer, ao invés de sermos movidos pela força erótica (no sentido
metapsicológico, não sexual) do desejo, o somos por tânatos em sua face
de angústia. O que nos parece melhor: no primeiro caso, não temos a plenitude
da satisfação, mas apostamos na eterna busca do desejo; no segundo caso,
vivenciamos a plenitude (ou um simulacro dela), tendo como companhia constante o medo da perda. Nós normalmente
estamos no caminho da realização do desejo, e a encontramos nos mais diversos
objetos por aí, sejam amorosos, sejam profissionais, sejam etéreos, sejam até
materiais. Nossa neurose, quando leve,
no máximo foge de uma relação amorosa, boicota uma ascensão profissional,
inventa uma discussão de casal ou se perde na contabilidade financeira –
são as autossabotagens que a literatura de autoajuda descobriu há pouco, e que
a Psicanálise levou muito a sério: ferramentas que utilizamos para vivenciar
nossas realizações e nossa plenitude sem enlouquecermos.
O que você pensa sobre isso?
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