João de Deus?


Alguns anos atrás encontrava-me em Brasília. Um amigo, sabendo que eu era jesuíta e que temos como nosso fundador Santo Inácio de Loyola, me disse: 
- Sabe que em Abadiânia de Goiás tem um médium que diz incorporar Santo Inácio de Loyola?
Fiquei perplexo, pois nossos santos são pouco conhecidos. 
Como assim?

Quem me conhece sabe que sou devoto do meu santo fundador. Assim, pois, numa quarta-feira saímos bem cedo a caminho dessa pequena cidadezinha do planalto goiano. 
Chegamos na casa D. Inácio. Pensei: Será que Santo Inácio vai me reconhecer?

Num galpão simples nos encontrávamos mais de 1.000 pessoas. Como chegamos bem encima da hora, ocupamos cadeiras separadas. Logo percebi que eu estava rodeado por jovens estrangeiros. Um canto católico, preces dirigidas, sermão em português e inglês tudo dirigido por pessoas da Casa...

De repente, um aviso: Por favor, as pessoas que a “entidade” pediu para voltar e fazer um tratamento, fiquem de pé... Muitas pessoas se levantaram. E foram entrando por uma porta estreita... O que haverá detrás daquela porta?

Continuou a sessão. Bem, duas sessões: uma onde eu me encontrava e outra detrás daquela porta...
Continuamos sentados, ouvindo e rezando. Eu distraído com os quadros simples com a figura do meu santo fundador, e frases também dele: Em tudo amar e servir... Tudo para a Maior Glória de Deus... 

De repente a gente ficou de pé. Eu também. O médium João de Deus tinha entrado e ocupava um lugar destacado. Trouxeram também uma jovem senhora... estava sentada, sem blusa, e o médium fazendo uma pequena cirurgia... Pelo que via, pensei: Câncer de mama... Enquanto a operação “espiritual” continuava, todos rezamos o Pai-nosso... Acabando, levaram a mulher numa cadeira de rodas por aquela porta estreita... 

A “liturgia do médium” continuava... Os que vieram por primeira vez, por favor fiquem de pé e formem uma fileira... Curioso, ansioso, fiquei de pé. Meu amigo ficou sentado, esperando outra chamada que não aconteceu.

Entrei pela porta estreita. Era uma sala imensa onde se encontravam concentrados, olhos fechados ou vendados, aqueles que por primeiro foram chamados. Estão rezando e experimentado uma “cirurgia espiritual”... Todo meu ser ficou curioso e ansioso: avançávamos a passos lentos, vendo aquela multidão sentada e concentrada. Rapidamente, alguém abriu uma outra porta, fora dos nosso percurso, e pude ver outras pessoas acamadas e cobertas por um lençol branco... Estas sofreram uma cirurgia física maior usando xilocaína, para não sentir dor... 

De repente a fila virou e vejo que caminhamos em direção do médium: João de Deus... Será que Santo Inácio me vai reconhecer?... Hummm O que vou falar pra ele?
Me olhou fixamente. 
- Sim? Lembrei que devia operar da minha vesícula e apenas disse: Vesícula...
De onde é você?... Brasília...
Fez uns rabiscos numa pequena folha, que me entregou, e continuei seguindo a fila, com o bendito papel na mão.

Chegamos a outra sala. Quando completou o número, provavelmente 100 pessoas, uma mulher simples nos pediu para fechar os olhos, e que ia fazer passes sobre nós. Obedeci. Ficamos 15 minutos e aquela mulher nos levou para fora, de baixo de uma árvore. Vi que havia diversos grupos assim distribuídos. A mulher disse: Os que foram instruídos pela “entidade” para fazer cirurgia dirijam-se para o refeitório, e tomem uma sopa... Os que estão com o papel na mão, dirijam-se para a farmácia e peguem o remédio que lhes vão dar... 

Telefonei para o meu amigo, que se encontrava ainda no galpão rezando e ouvindo o sermão reencarnacionista:
- Cara o que faço, estou aqui afora. Pediram para ir na farmácia...
- Se quiser gastar R$ 50,00 vai. Se não for, eu me encontro com você logo nos bancos que dão vista para o vale... Minha curiosidade estava saciada.

Uma coisa fique clara: Os jesuítas não temos nada com este homem que usa o nome do nosso Santo fundador. Ah! E operei da vesícula, meses depois, num hospital de Brasília.

Hummm E Santo Inácio não me reconheceu!...  rsss

Por fim, fiz as contas: com que facilidade João de Deus ganha R$ 50.000 num só dia. E nunca mais voltei...



3 comentários:

  1. Muito triste isso tudo. Usar o nome de Santo Inácio para enganar a população.

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  2. Ainda bem o senhor ganhou só um papel...
    Podia estar na lista das vítimas, ouvidas pela Polícia.

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  3. Pe. Ramon outro dia pensei na vinculação do nome, de Inácio de Loyola. Pensei Don? Porque?Sera a época que Inácio era cavaleiro de Castela e aprontava uma enormidade?
    Mas e a evolução espiritual aonde fica?
    A grande façanha do diabo, foi convencer o mundo de que ele não existe.

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