No alto do Monte Graham, no Arizona, EUA, há um telescópio operado pelo Observatório do Vaticano. Sim, a Igreja Católica tem o seu próprio observatório astronómico que remonta, pelo menos, a 1891, e mostra que a Igreja é uma participante ativa no mundo científico.
O Ir. Guy Consolmagno reside perto do telescópio do Arizona. Ele é religioso jesuíta, mas também cientista planetário. E dirige o Observatório do Vaticano. Queria perguntar-lhe sobre a tensão que entrevia entre o seu papel como cientista e o seu papel na Igreja. Os astrónomos buscam ativamente sinais de vida noutros mundos. Eu perguntava-me o que significaria para o catolicismo se eles o encontrassem. Mas ele não vê essa tensão.
Como é que alguém se torna astrónomo do Vaticano? Fui cientista durante 20 anos [anos 70 e 80]… Eu estava com 40 anos. Pensei que, se me juntasse aos Jesuítas como irmão, talvez pudesse ensinar numa universidade jesuíta. Quando entrei para os Jesuítas, tudo o que eles pediram foi fazer os três votos: pobreza, castidade, obediência. Pobreza, estava habituado. Castidade, estava habituado. Mas essa coisa de obediência? Isso era novo. E disseram-me que, com a minha formação, com o meu doutoramento em ciências planetárias, eu iria para o Observatório do Vaticano.
Como é que é um dia da sua vida? Acontece que um nobre francês tinha doado mil meteoritos ao Vaticano. Então, um dia típico: eu descia para o meu laboratório, media meteoritos durante algumas horas, fazia uma pausa para tomar um café (porque na Itália é assim), e depois voltava e registava as medidas. Mas ... em 2015, o Papa estava à procura de um novo diretor do Observatório, e disse: Tu és o novo diretor. Sim senhor. Isso é a obediência.
Se pudesse ter uma amostra de qualquer parte do Sistema Solar para examinar, qual escolheria? Gostaria de um metro cúbico da água proveniente do oceano sob a crosta de gelo da lua Europa de Júpiter...
Por quê? Há muito que podemos aprender! Há vida nessa água? E se não, por que não? E não se trata só de grande ciência, também há uma ligação pessoal. Foi a primeira ciência em que trabalhei quando estava no MIT, e escrevi uma tese de mestrado sobre as águas sob das luas geladas. Adoraria descobrir quanto acertei e quanto errei.
O que significaria para o catolicismo descobrirmos vida inteligente noutro lugar? Há partes das Escrituras que dizem que não somos as únicas coisas inteligentes feitas por Deus.
Na religião a humanidade é vista como figura ou presença central. E pergunto-me se isso choca com a ideia de que somos insignificantes em comparação com o tamanho do universo... A religião nunca diz que os seres humanos são o centro do universo. Esse é um mal-entendido da antiga cosmologia. A Terra estava no fundo do universo. Pense na imagem de Dante, tentando descrever, na sua visão medieval, o inferno lá em baixo - no centro da Terra. Isso tornaria o inferno a parte mais importante do universo? Não! Estamos, nessa visão medieval. Somos insignificantes. É isso que torna a ideia da salvação tão incompreensível. Que um Deus que se considera que teria coisas melhores para fazer se importaria com o planeta Terra. Isso é que é surpreendente. E só se recupera esse sentimento de espanto se se perceber o quão pequeno e insignificante nós pareceríamos.
As pessoas que escreveram o Génesis, capítulo 1, que foi a melhor ciência aos seus dias, há 2500 anos, disseram que a Terra era uma planura com uma cúpula sobre ela, e água acima e abaixo da cúpula. E maior que isso foi o Deus que o criou. Temos um universo que só podemos ver a 13,8 mil milhões de anos-luz em todas as direções. E maior que isso foi o Deus que o criou.
Parece que está a dizer que a relação entre ciência e fé é realmente muito forte. A resposta chave que posso pensar é: a minha religião diz-me que Deus criou o universo. A minha ciência diz-me como é que Ele o fez.
Há tensão entre ciência e religião? Tensão não é a palavra certa, mas existe um relacionamento. E como em qualquer tipo de relacionamento, haverá sempre problemas. Mas são bons problemas. A razão pela qual temos coragem de fazer ciência é porque acreditamos num universo que é consistente e lógico, que segue leis, e que é tão bom que vale a pena gastar a vida a estudá-lo… Quem deseja criar um conflito entre uma ou outra geralmente têm outras intenções. E querem colocar o outro lado como inimigo. Vimos como isso funciona na política: muito mal. E é muito mau para a ciência e para a religião.
As pessoas de nossa redação, quando disse que ia falar com um astrónomo do Vaticano, disseram: pergunta sobre Galileu... Ah! Tudo o que você sabe sobre o Galileu está, provavelmente, errado; o caso Galileu estava muito ligado à política e personalidades locais. Mas, realmente não faz a Igreja parecer melhor. Somos humanos e fazemos coisas estúpidas. Sou um cientista, e, como cientista, fiz coisas estúpidas. Não conhecemos toda a ciência, como também não entendemos totalmente Deus.
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