5. A TEOGRAFIA na nossa vida... (cf. Pe. Ulpiano V. SJ)



A TEOGRAFIA é o modo como Deus se inscreve na vida de uma pessoa, deixando marcas que podem ser lidas. Não se trata de uma leitura de Deus na Sagrada Escritura, mas da leitura dessa carta de Cristo, escrita pelo Espírito em nós mesmos. Deus age, e marca-nos!

Marcas de Deus na vida. Tomar consciência e assinalar essas marcas é proceder como os personagens do Gênesis que assinalavam com uma pedra o lugar onde acontecera uma teofania, uma manifestação mais profunda de Deus. 

As marcas da consolação e da desolação seriam os traços de alguém que escreve no coração e na vida. As crianças, antes de serem alfabetizadas, gostam de rabiscar e fazer borrões, deixando marcas no papel. Na medida em que vão sendo alfabetizadas, escrevem, primeiro letras, em seguida, sílabas, palavras e, finalmente, frases que têm um sentido.

Inácio de Loyola, ao receber essa primeira lição de Deusfaz uma releitura da própria vida procurando, nela, as marcas de Deus. Ele não vai privilegiar os pensamentos, mas os sentimentos, a consolação e a desolação. Não há sentimentos puros; eles sempre vêm articulados com os pensamentos, mas a porta para essa releitura são os sentimentos. Há sentimentos marcando a própria vida, dos quais se origina uma trajetória, um percurso e um discurso que pode ser percorrido e lido: é a lição.

A própria existência se transforma, então, numa lição de Deus: Deus me apresenta e oferece um material de leitura e ler, neste caso, significa interpretar. Interpretar a própria história percorrendo as marcas de Deus e do mau espírito que foram traduzindo-se num discurso, num percurso e numa trajetória. Ler o que está  escrito na vida como se leem as palavras de um texto que formam frases.

Colocando a origem da diversidade de pensamentos e sentimentos em Deus e no demônio, Inácio começa a fazer uma leitura espiritual de sua existência. Temos uma única consciência, mas de extrema complexidade o que permite uma abordagem a partir de diferentes ângulos, diferentes leituras de nossa consciência.

Uma primeira leitura poderia ser denominada de psicossomática. Pois sabemos da íntima relação e influência do psíquico sobre o físico e vice-versa. A maioria das doenças são causadas por problemas emocionais. 
A leitura moral‚ é outra abordagem da mesma consciência. Todos nos sentimos atraídos por certos valores e percebemos a presença, em nós e na sociedade, de contra valores. Qual a nossa responsabilidade sobre as consequências de nossas ações e atividades. Neste caso, estamos fazendo uma leitura moral de nossa consciência.

Uma terceira leitura possível: a psicológica. Hoje supervalorizamos este tipo de leitura. Na leitura psicológica da consciência olha-se para trás, procurando os traumas, as carências, as marcas negativas que nos afetaram, sobretudo na primeira infância. O trabalho terapêutico consiste em identificar estes traumas, e desobstruir os canais para que a vida circule e se desenvolva mais harmoniosamente. Falta, porém, a dimensão teológica, o para quê? 

dimensão do sentido aparece na leitura espiritual da consciência. Nesta leitura, não se olha para trás, mas para frente. Onde chegar? Neste tipo de leitura torna-se imprescindível a atenção às moções dos diversos espíritos.

Estas diferentes leituras referem-se a uma mesma consciência. A abordagem é diferente, mas não a consciência. Não é de estranhar que os diferentes aspectos tenham uma influência recíproca entre si, uma vez que tudo se joga na mesma consciência. Uma falta moral tem repercussões no nível psicológico e espiritual. Uma terapia que liberte a pessoa de traumas infantis e inconscientes repercute numa vivência moral mais tranquila, numa vida espiritual mais profunda. Uma experiência pessoal de Deus pode curar muitas carências afetivas e leva a abraçar com mais vigor os valores evangélicos.

Santo Inácio na 14ª regra de discernimento da 1ª semana (EE 327), chama a atenção para os pontos fracos; por aí o inimigo ataca. Nossos pontos fracos são, com frequência, de ordem psicológica e por aí entra normalmente o mau espírito. Sentimos que o nível psicológico é ultrapassado, quando entra a questão do sentido. Na desolação espiritual, quando tudo se torna obscuro, podemos estar simultaneamente com a pressão baixa (nível psicossomático), com uma depressão psicológica (nível psicológico) e uma desolação espiritual (nível espiritual). Diferentes leituras da mesma e única consciência.

Inácio fez uma leitura espiritual de sua consciência e, a partir desse enfoque, ordenou sua vida moral e chegou a um grau invejável de integração de sua personalidade, certamente marcada por traumas de infância e por uma vida desregrada até os 30 anos. O nível espiritual é sem dúvida, o mais globalizante.

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