Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele... (Jo 6, 56)
O cristianismo é uma religião do “corpo”, ou seja, do Deus Encarnado na história (na carne) dos homens e das mulheres. E é isso que nos revela a festa de “Corpus Christi”, festa que recolhe todas as festas cristãs e as condensa no Corpo de Jesus, com sua riqueza de sentidos e significados.
“Tocar a carne de Cristo” implica acolher nossa própria “carne”, ou seja, o corpo como lugar onde Deus faz sua morada. Assim vamos buscando compreender o que é a Encarnação. O próprio Deus se fez corpo, no corpo de uma mulher: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
A Encarnação foi o caminho que a Trindade escolheu para se aproximar da humanidade e fazer história conosco. Nosso corpo humano, feito de barro – vaso frágil e quebradiço – tornou-se o lugar privilegiado da chegada e da revelação do amor trinitário. Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós? (1Cor 6,19).
Nosso corpo é o “templo” santo, onde Deus Trino faz sua morada. Celebrar “Corpus Christi” é “cristificar”nossos corpos.
Cresce cada vez mais a consciência de que somos corporeidade, sistema complexo de matéria e energia, fonte de sensações e de prazer... O corpo é a primeira condição de possibilidade de nosso “ser no mundo”, e relacionar-nos com a natureza, com os outros e com o que nos transcende. Único modo de ser, e de sermos humanos.
Somos corpo que vibra e que necessita do abraço e do olhar de outros corpos, do calor de outras peles. E ali encontramos Deus, pois Ele quis fazer-se corpo e sangue. Nosso corpo se plenifica na comunhão com outros corpos, com Deus e com a natureza. A presença real de Jesus, no pão e vinho da Eucaristia, nos desperta a reconhecê-Lo presente no coração do Cosmos e da História. Nosso humilde corpo é parte da Criação inteira e nosso bem-estar faz sorrir a natureza.
Jesus quis permanecer entre nós de modo diferente. Escolheu a forma convivial da refeição. É em comunidade que se celebra sua memória. O pão do cotidiano, o vinho da festa. O Pão e o Vinho nos transformam n’Ele. Ele vive em nós e nos alegra. Alimentar-nos d’Ele é voltar ao mais autêntico de seu Evangelho.
Tradicionalmente, a festa de “Corpus Christi” acontece em meio a grandes e suntuosas procissões. Belos tapetes confeccionados nas ruas para que o cortejo, carregando o “Corpo de Cristo”, passe por ali. Este ano, por causa da situação pandêmica que estamos vivendo, as manifestações externas certamente não vão ocorrer. Talvez seria uma ocasião privilegiada para fazer a experiência da “procissão interna”, deixando o “Corpo de Cristo” circular por nossos corpos, para que estes fiquem mais “cristificados”.
Jesus se ajoelhou diante de seus discípulos para lhes lavar os pés; e, ao terminar lhes disse: “vós me chamais de Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque sou. Se eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo 13,13). É mais cômodo transformar Jesus em “objeto” de adoração” que imitá-lo no serviço e na disponibilidade para com todas as pessoas. É uma ofensa prostrar-se diante do Corpo Eucarístico e distanciar-se dos corpos violentados que gritam: “eu quero respirar”.
Transformamos a Eucaristia num rito cultual, numa cerimônia carente de convicção e que não modifica as atitudes. A Eucaristia foi, para as primeiras comunidades cristãs, o ato mais subversivo imaginável. Não podemos comungar com Cristo na intimidade de nosso coração sem comungar com os irmãos que sofrem. É um engano manifestar que estamos em comunhão junto à mesa quando, na realidade, somos mediadores da “cultura da indiferença”.
Corpus Christi é um chamado urgente para que nos prostremos diante do Cristo, humilde e caminhante, que passa continuamente diante de nós: vestido de mendigo, desempregado, enfermo, abandonado... que nos convida a viver a Eucaristia como lugar de encontro com os mais necessitados.
Está bem que passem procissões com o Pão Eucarístico por nossas ruas, com toda solenidade e pompa. Mas, que pensará Jesus ao passar diante das casas onde hoje falta o pão? Que pensará Jesus ao passar diante de crianças que tem fome? Que pensará Jesus ao passar diante de homens e mulheres que o acompanham com o estômago vazio, sendo Ele mesmo o “verdadeiro pão”?
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