O ser humano é um animal raro. Ele experimenta dentro de si propostas estranhamente desencontradas e, por vezes, até contraditórias. Num momento é empurrado para o alto, para o Deus Absoluto e pouco depois é capaz de estar sonhando e até se deliciando com a limitação inerente de qualquer criatura. Sempre foi assim!
O homem é um ser extremamente complexo. Dentro dele latejam enigmaticamente passado, presente e futuro. No mesmo momento de começar sua história, no nascimento, outras histórias alheias entrelaçam-se com ela. Somos condicionados, mas também condicionantes! Carregamos nossos antepassados sem perder a própria individualidade. Será que a história experimentada e vivida outrora pelos nossos progenitores: perseguições e medos, fugas e receios, complexos malditos e amaldiçoados, escondidos e guardados, não foi transmitida incompreensivelmente aos seus próprios descendentes? Um dia, alguém me disse aflito: tudo o que é ruim se herda!...
Aonde ficaram os fracassos e as doenças, conflitos gorados, mortes sem sentido, ira, orgulho ferido, enfim, todo o negativo da vida? Foi colocado no mais profundo e escondido do que nos foi transmitido. Jung encontrava, nos porões das pessoas, lastros históricos antiquíssimos que ufanamente chamou de "inconsciente coletivo". Em cada ser humano luz e trevas, bênção e maldição convivem e se entrechocam, como cara e coroa da mesma existência. E as coisas boas, também se transmitem?
Será que as pessoas são tão felizes quanto mostram? Quem não usou máscaras para esconder sentimentos inconfessos ou dificuldades pessoais retidas? Somos realmente sujeitos da história ou apenas pobres objetos do destino, prazer ou capricho? Uma jovem, faz pouco tempo, me dizia: "Na minha frente só encontro vazio e tolices e por trás de mim a morte me espreitando; se olho para à esquerda avisto falsidade, e à direita corrupção e violência. Uma treva imensa apoderou deste nosso pequeno mundo..."
Mergulhados nessa vasta escuridão e estranhamente identificados com ela, deixamos transparecer nossa própria mentira, divisão e morte. Por onde passamos, espalhamos sementes de pecado.
Contudo, Paulo, o apóstolo, pedia aos cristãos de Filipos, embrenhados até os miolos nos vários conflitos pessoais e sociais, para serem "irrepreensíveis... filhos de Deus, sem mancha, no meio de uma geração transviada e pervertida, onde brilhais como luzeiros no mundo" (Fl 2, 15).
Brilhar no meio da escuridão, fazer história, viver a partir de valores e não de necessidades, eis o nosso maior desafio. O problema não é a obscuridade que nos rodeia ou a pluralidade de propostas encontradas, mas sermos sempre significativos no meio delas.
"Carregamos tesouros em vasos de barro!" Nossa pobre e terrível história é, também, berço da graça que nos chega. Nossas limitações, o que temos por fardo e escória é misteriosamente matéria prima de novas sínteses e possibilidades. "O Verbo se fez carne e habitou no meio de nós!". Entrou na nossa história e assumiu natureza humana. Ele veio a nós, não porque o merecíamos, mas porque dele precisávamos.
Nossa carência fundamental só pode ser completada com o infinito. Outrora, assim aconteceu com o povo judeu e continua acontecendo. Era o mesmo Senhor que andava à frente de Israel "como coluna de nuvem durante o dia e como coluna de fogo à noite". O Senhor nunca abandonou o seu povo... Onde está Deus? Onde está o seu povo!Quando todos os horizontes se fecham, apelamos confiantes para o alto.
Esta consciência da presença bondosa de Deus é fundamental para deixar-se conduzir por Ele. Que pensaríamos de uma ovelha que não quisesse seguir seu próprio guia e pastor? Certamente caminharia para a morte. Com Jesus, caminhamos para a vida. E nada no mundo pode nos separar desta presença salvadora.
Inácio de Loyola (1491-1556) experimentou, por algum tempo, a contradição que carregava. Um dia, descobriu Jesus dando sentido à sua vida vazia e insensata. "Coloca-me com teu Filho!" Sim, Senhora, coloca-me com Jesus, tesouro escondido, valor necessário e capaz de dar sentido à insensatez da minha pobre vida!..
A batalha de Pamplona, 1521, onde Inácio ficou mal ferido e à beira da morte, era sinal de uma outra luta interior, mais profunda e cruel, que o derrotava e destruía. A bala de bombarda quebrando-lhe as pernas, rompeu também sonhos e fantasias fúteis que o levavam a optar por uma história vazia e banal. O que parecia ser o fim, foi o início de uma vida nova: Da dor nascia vagarosamente um santo.
Uma pergunta: quando tudo parece ruir na sua vida, como é o seu relacionamento com Deus?
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