3º DTP. RESSURREIÇÃO: a arte de recompor o que foi quebrado... (Pe. A. Palaoro SJ)

              Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo... (Lc 24,35-48)


 

Há uma arte milenar que consiste em recompor cerâmicas quebradas com ouro, deixando a cicatriz da reconstrução completamente à vista e sem nenhuma dissimulação, pois para eles uma peça reconstruída era símbolo perfeito de fortaleza, fragilidade e beleza.

 

Os primeiros cristãos decidiram também conservar e transmitir os relatos das aparições do Ressuscitado sem ocultar as muitas rupturas, feridas e marcas que o acompanharam durante sua vida, sobretudo aquelas que lhe foram infligidas durante sua paixão e morte. Poderiam ter suavizado ou omitido os aspetos mais polêmicos de seus ensinamentos ou os elementos mais humilhantes de seu dramático final. Pelo contrário, deixaram as cicatrizes de suas feridas completamente à vista e sem nenhuma dissimulação. Fizeram isso para mostrar a fortaleza, a fragilidade e a beleza da reconstrução realizada por Deus na ressurreição. Convinha mostrar o ouro que preenche as fendas entre os membros feridos de Jesus, as marcas de sua entrega nas cicatrizes do seu corpo.

 

O compromisso com a restauração do mundo quebrado é um modo de atualizar a experiência da ressurreição e de viver a nossa vocação. O seguidor de Jesus escuta o chamado para unir-se ao labor do Deus-criador que, na ressurreição, recria de novo a humanidade ferida.

 

Somente a ação criativa e contínua de Deus é capaz de costurar novamente os pedaços de nossa história. Tal qual o oleiro, o Senhor nos cria e recria continuamente. Suas mãos de artista não jogam fora nenhum pedaço de nossa existência vivida. A experiência de nossa própria fragilidadepode converter-se em experiência de Deus, do Deus rico em misericórdia, e até o passado mais fragmentado está aí para dizer que Ele desenhou nosso ser na palma de suas mãos (cf. Is 49, 14-26).

 

Deus acolhe e dá um sentido novo a todas as vivências e experiências; só Ele consegue juntar até as contradições e inconsistências da vida, dando coerência e unidade ao todo existencial, fortalecendo a identidade e originalidade de cada um. Repetir o gesto criativo de Deus é tomar nas mãos os “fragmentos” do que foi vivido, trazê-los das profundezas onde sempre estiveram confinados, e colocá-los à nossa frente, para aceitá-los, revivê-los, recriá-los... Com o ouro da graça podemos transformar nossas feridas e fracassos em material de uma nova experiência de vida. 

 

A experiência de encontro com o Ressuscitado nos dá força e tranquilidade para empreender um mergulho dentro de nós mesmos. Ela vai reordenando fatos, completando os vazios, corrigindo distorções, revivendo situações paralisadas, conferindo sentimentos... As experiências do passado não podem ser mudadas, mas a nova “re-leitura” pode mudar a interpretação dada a elas.

 

Deus colocou sua “assinatura” divina ali, nas dobras do nosso coração, mas só quem lê o interior descobre isso. 

 

Como se credencia Jesus para justificar sua identidade? Em segundo lugar: mostra-lhes suas mãose seus pés; mãos e pés com o sinal dos cravos na Cruz. Recorda a eles que é o mesmo Crucificado, agora Ressuscitado; mostra-lhes as mãos feridas como marcas do amor que se doa, cura, abençoa, eleva... ; mostra-lhes os pés feridos pelos caminhos que andou, pelos deslocamen-tos em direção aos últimos, e que terminaram cravados na cruz.

 

Se nossas entranhas se compadecem, se nossas mãos se abrem, se em nosso desalento levantamos os pés, se voltamos a confiar no outro, se o nosso olhar se amplia..., então ressuscitamos como Jesus, como a Vida que se expande, como a semente que se rompe...

Queres conhecer alguém? Olhe suas mãos e seus pés. Queres conhecer o verdadeiro seguidor? 

 

Mais vale uma chaga em nossas mãos ou em nosso coração que mil explicações sobre o amor.

 

 

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