3º DTQ: Raízes que nos sustentam... (Pe. A. Palaoro SJ)

 Vou cavar em volta da figueira e colocar adubo... (Lc 13,8)


 

Temos perdido nossas raízes? Como conectar-nos com elas? Onde estamos enraizados? O “novo” vem do chão da vida. 

 

Quaresma é tempo para colocar novo adubo e fortalecer nossas raízes; e viver o tempo das raízes para ser presença “diferenciada”, “enraizados” na realidade cotidiana.

 

Descer às raízes é uma oportunidade privilegiada para nos descobrir e conhecer nosso reino interior, para encontrar nossos recursos mais nobres e assim experimentar a transformação. O caminho para uma nova qualidade de vida passa pelo encontro com as próprias raízes. Mas essa descida nos possibilita descobrir um mundo diferente que não conhecíamos, ou que havíamos perdido.

 

Este é o caminho da espiritualidade que brota do húmus; “descer” até o fundo, mergulhar nas dimensões mais profundas onde estão escondidos os “tesouros” que dão significado à vida.

 

Vivemos um contexto marcado por um profundo desenraizamento, onde somos mobilizados a viver em mundos superficiais, em espaços criados pelas novas tecnologias no emaranhado das novas técnicas perdendo o é essencial e decisivo da vida. Vivemos na superfície dos acontecimentos; esvaziamos a consistência interior e congelamos toda proximidade e relação com o outro. Desenraizar-se é também desumanizar-se.

 

“nova radicalidade” é a maneira original de seguir Jesus; radicalidade expansiva, pois quem chega ao mais profundo descobre-se implantado na natureza humana, naquilo que todos compartilham e, por isso mesmo, sente-se enraizado também no Outro. Ninguém vive sem raízes, pois não se sustentaria de pé. 

 

Muitas pessoas passam pela vida distraídas como turistas, que consomem sem descanso paisagens e imagens de si mesmas, e cujo olhar está sempre ocupado com as vitrines ou com o próprio umbigo; nunca repousam, entrelaçam nem aprofundam. 

 

No evangelho deste domingo Ele usa a imagem da “figueira estéril” que não recebera o nutriente necessário. A figueira é uma das árvores mais comuns na Palestina e seu fruto, muito apreciado, é abundante. Os brotos da figueira são um sinal da primavera. “Sentar-se debaixo da videira e da figueira” é uma expressão proverbial da paz e serenidade da vida no campo (cf. 1Rs 5,5; Mq 4,4; Zc 3,10).

 

A isso, precisamente, aponta a parábola da figueira plantada no meio da vinha. Ela também destaca a paciência do vinhateiro. Apesar de “levar” três anos sem dar frutos, o vinhateiro continua confiando nela, ao mesmo tempo que lhe oferece todos os cuidados com esmero: “vou cavar em volta dela e colocar adubo”.

 

Jesus quer destacar a paciência divina, porque compreende e respeita o momento e o ritmo de cada pessoa. Conhecedor do coração humano, sabe dos condicionamentos que pesam sobre ele: sofrimentos não elaborados, vivências mal integradas, feridas ainda não “processadas”, mecanismos de defesa ativados para poder sobreviver, ignorâncias básicas de quem é, e como viver... Precisamos tempo e paciência para crescer em lucidez e em consciência, assim como em liberdade interior, frente aos próprios medos e necessidades, para podermos ser coerentes e fiéis ao melhor de nós mesmos.

 

A partir dessa fidelidade, tudo começa a adquirir sentido: abrimo-nos a quem somos e vamos construindo relações harmoniosas. Isso é o que significa, segundo o evangelho dar fruto.

 

Numa chave de leitura interior, a parábola da figueira ativa a virtude da esperança que alimenta, dá sentido à nossa existência e ilumina as profundezas de nosso ser cristão. Na vivência do evangelho, a terra interior também pode ser cavada e adubada, através de diálogos e do encontro com nossa verdade pessoal. 

 

A parábola da “figueira” toca o nosso “eu” mais profundo e é preciso escutá-lo. A terra do nosso eu interior é também cavada e fertilizada. Mas a parábola não só alimenta a esperança; ela nos desafia a corresponder ao “divino agricultor”, dando frutos.

 

Escavar a terra é o primeiro requisito a ser cumprido para que a árvore interior dê fruto. O segundo é o adubo, que pode ser símbolo do amor pode nos conduzir ao florescimento e frutificação.

 

Dia após dia, o agricultor leva o esterco ao campo, e, após um ano, o campo dá seus frutos. É uma imagem consoladora, pois, justamente aquilo que consideramos o esterco da nossa vida – os fracassos, as feridas, as derrotas, as fragilidades – se torna o adubo para a nossa árvore da vida e a faz florescer.

 

A questão está em como cavar, que adubo depositar e que frutos esperamos alcançar. É importante cavar para sanear as raízes, nossas raízes mais profundas onde está a força de Deus. O alimento, talvez seja conectar mais com a mensagem de Jesus, com o Evangelho e entrarmos em sintonia com o Deus da Vida. 

 

Deus é o “paciente Cuidador” e nos alcança na medida em que nos abrimos à sua ação; Sua presença expande e multiplica o melhor de nossa vida. Ao contrário, quando permanecemos reclusos na identificação com nosso ego, irremediavelmente, dia após dia, nossa existência se atrofiará e se empobrecerá. 

 

Dentro de cada um de nós, continuam existindo “figueiras estéreis”, experiências com pouca profundidade, vivências asfixiantes e atrofiantes que limitam a liberdade de Deus em atuar em nós. Mas, o ponto de partida é que comecemos por reconhecer nosso terreno interior, reconciliando-nos com ele, abraçando-o com humildade... 


É no meio da “vinha” que está situada nossa figueira.

 

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