Por uma terra sem males... (cf. Gabriel Vilardi SJ)


No final deste mês de luta pela dignidade dos Povos Indígenas e pelo respeito de seus territórios, o sangue dos mártires clama por justiça

 

Duas figuras povoam meus pensamentos. No dia 6 de abril de 1987, há 35 anos, a vida do irmão jesuíta Vicente Cañas, SJ era violentamente arrancada a mando da elite agrária de Mato Grosso. Dez anos depois, em um dia 20 do mesmo mês, o indígena Galdino Jesus dos Santos, pertencente ao Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe também teve a sua vida ceifada de forma brutal, por jovens de classe média-alta da capital federal. Passados 25 anos desse crime que chocou o país, o centro do poder político do Brasil permanece hostil aos primeiros habitantes desta terra.

 

Para a fé cristã, a memória daqueles que nos precederam no seguimento de Jesus é fundamental na atualização do mistério da encarnação do Reino de Deus entre nós. A Trindade Santa contempla o mundo e decide fazer a redenção do gênero humano, como nos ensina o Peregrino de Loyola. Se Deus escolheu sair do Seu “próprio amor, querer e interesse” (EE 189) e transbordar-se em Seu esvaziamento para tornar-se plenamente humano, este é o convite para cada cristão na Páscoa da Ressureição. 

 

Há alguns meses fui enviado para as fronteiras humanas e geográficas da terra de Macunaima, no norte do Brasil. Chão de muita diversidade cultural, habitado por vários povos indígenas, entre eles Macuxi, Wapichana e Yanomami. Cada um deles possui um incrível universo próprio, com língua, cantos, danças e mitos diferentes. Desde a Região da Serra da Lua, em Roraima, lugar teológico nesta querida Amazônia, vivo a etapa do magistério com desejo de alargar os horizontes e abrir-me às sementes do Verbo espalhadas nesta Casa Comum. 

 

Neste breve, mas intenso período amazônico, experimento uma multiplicidade de moções espirituais, tais como: viver uma espiritualidade de Nazaré, abraçando um maior anonimato e menor protagonismo; descobrir a força de uma pastoral de presença, simples e desinteressada na partilha junto aos povos indígenas; colaborar na reflexão e na divulgação das lutas indígenas... E, talvez o mais importante, convencer-me de que por maiores que sejam as violações de direitos e as necessidades desses irmãos, sou chamado a ser um “servo inútil” e solidário à (r)existência histórica desses crucificados.

 

Às vezes sinto que as necessidades são enormes e a nossa capacidade de serviço bastante limitada. Entre a fragilidade humana e os fracassos inerentes à missão, Deus irrompe de um modo inesperado e desconcertante: “coragem, estou contigo!”. Mesmo diante de tanto preconceito e medidas abusivas contra os povos indígenas, a rebelde esperança teima em nascer em seus corações. 

 

Como não se contagiar com a força das mulheres e da juventude que assumem cada vez mais um papel profético na liderança do movimento indígena? Como não se encantar com a beleza dos paricharas, dançados em um ritmo que evoca unidade na diversidade? Impossível não se converter pelo sorriso inocente das crianças brincando no território sagrado conquistado com o sangue de seus avós, como o anúncio de um futuro que não será exterminado por mais ameaçadoras e infatigáveis sejam as forças da morte.

 

Como diz a canção, “só peço a Deus que a dor não me seja indiferente” e que não me esqueça que Aquele que me trouxe até aqui, continua sendo diariamente crucificado em povos inteiros, como os Yanomami, vítimas do garimpo ilegal, esse “monstro grande que pisa forte”. Se eles resistem com coragem, não se pode capitular no desânimo em meio às injustiças de cada dia. 

 

“A quem iremos, Senhor? Só Tu tens palavras de Vida eterna!”, testemunha há décadas a Igreja de Roraima, amiga dos Povos Indígena. Peço a cada um e a cada uma que se una com intensidade ao meu pedido de graça desse tempo pascal: ajuda-me, ó Consolador, a ver novas todas as coisas e a exemplo de Madalena na madrugada pascal, caminhar com profecia para acolher os sinais da Ressureição. 

 

Que Nossa Senhora da Amazônia coloque-nos com Seu Filho junto ao Pai!

 

 

6 comentários:

  1. Nossa, Gabriel , que partilha !!! Siga em frente , faça a caminhada que o Senhor lhe indica . Rezo por você e pela sua missão . Reze também por mim .Um abraço amigo e fraterno .

    ResponderExcluir
  2. Companheiro, unido a ti e a todos que lutam por nossa Terra Sem Males. a.m.D.g.

    ResponderExcluir
  3. Amém.
    Texto lindo! Que essa "rebelde esperança" continue nascendo e resistindo a tantos olhos fechados, braços cruzados, a tantas iniciativas cruéis de destruição!

    ResponderExcluir
  4. Deus ouça nossas orações, a favor desses irmãos 🙏🙏

    ResponderExcluir
  5. Gabriel, a presença lúcida e consciente é redentora como a do Crucificado/Ressucitado porque nos provoca e nos possibilita fraternidade e solidariedade criativas e operantes. Forte abraço!

    ResponderExcluir
  6. Gabriel querido, Você está na companhia de Jesus Ressucitado. E está " emamando-o e servindo-o. Como Ele disse a Madalena " Não tenhais medo"

    ResponderExcluir