Se alguém me ama, guardará minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele nossa morada... (Jo 14, 23)
Neste último domingo de Páscoa a liturgia, mais uma vez, apela para o discurso de despedida de Jesus, onde o evangelista recolhe os dons principais revelados pelo Ressuscitado: vida, amor, paz, fé, Espírito Santo...
O ser humano é interioridade; e essa dimensão é a mais mais nobre e sagrada de todas. E essa interioridade é habitada por uma Presença, sempre inspiradora e iluminadora como o Sol.
Os mestres espirituais chamam a esta interioridade de “Imago Dei” (imagem de Deus).
É próprio do ser humano mergulhar e experimentar sua profundidade. Geralmente quando falamos de Deus o imaginamos bem distante e quase inacessível. Vemos longe Aquele que está tão perto de nós! Vemos longe Aquele que vive e nos dá vida cada dia. Basta um simples olhar por dentro para nos encontrar-mos com Ele.
Às vezes, sentimos como se tivéssemos medo de nosso próprio mistério; temos medo de pensar que somos a “casa” onde vive e habita Deus.
Não nos damos conta dessa Presença, mas ela não nos anula nem se impõe... Somos “morada” divina, e nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; Deus nos habita!.
Deus anda abraçado conosco e sua graça banha suavemente todas as dobras do nosso ser e agir.
S. Agostinho cunhará a expressão de que Deus é “intimior intimo meo”, mais íntimo que nossa própria intimidade. Em nosso coração há sempre um movimento profundo que é manifestação da ação de Deus no mais íntimo de cada um.
Quem toma consciência de sua identidade profunda, descobre-se habitado e amado pelo Mistério e não pode fazer outra coisa senão amar e experimentar a comunhão com tudo e com todos. É o céu que vem tocar a terra, é o Reino que se entrelaça na configuração de nossa convivência, é a fé que se revela como atitude de confiança inabalável.
Em Deus sempre vivemos, nos movemos e existimos. D’Ele nunca saímos. N’Ele sempre nos encontramos. Ele está nos gerando a cada momento (“o ser humano é criado continuamente...). Eis a meta derradeira do ser humano: a auto-transcendência.
Ao fazer morada em nós, Deus acende nosso desejo no desejo d’Ele, e faz pulsar o nosso coração no ritmo do Coração d’Ele. Ele entra com sua Liberdade nas raizes da nossa liberdade e alarga os espaços internos para que a Vida divina atravesse todas as dimensões de nosso ser, tornando nossa vida mais oblativa, aberta e comprometida. “A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver”.
Podemos ter acesso ao mais profundo de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, a dimensão “divina” que nos situa acima do vai-e-vém das coisas, para além da superficialidade e da aparência.
Enraizados nessa Presença divina que nos habita, podemos transitar pela história com mais sentido e inspiração. Nós nos movemos, pois, entre transcendência e história, entre contingência e eternidade.
É no “substrato humano” que o mistério da Trindade marca presença e age. É na “natureza humana” que Deus constrói a Sua Tenda e, na Sua ternura, abraça a pessoa no seu todo; abrange todas as áreas da vida.
Deus se serve das mediações humanas para revelar-se e falar ao coração. Ele quer assumir o humano na sua totalidade. Ele deseja ser o responsável pela “terra sagrada” da vida humana.
Da parte de cada pessoa, Ele pede para deixá-Lo trabalhar, limpar, semear, fazer crescer e colher os frutos. A pessoa é solicitada para que deixe espaço aberto e livre ao plano da ação de Deus.
Esta experiência gera compromisso de viver a bondade, a ternura e a misericórdia na missão.
É a Trindade amorosa revelada por Jesus, “transparece” nas nossas palavras e gestos. Deus é amor e o melhor de nós é nosso ser amoroso; por isso, também nós devemos ser “diáfanos”, ou seja, deixar Deus transparecer, em nossa vida e em nossa ação. Quem é “diáfano” também “vê” o Deus transparecendo continuamente nos outros.
Somos presença do amor de Deus no mundo? Os outros descobrirão essa Presença em nossa vida quando manifestemos mais gestos gratuitos de bondade, compaixão, disponibilidade e misericórdia. Isso significa viver já como seres ressuscitados, uma nova humanidade.
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