O evangelho dos não-convidados... (Pe. A. Palaoro SJ)

Quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, e os cegos... (Lc 14,13)

 


Jesus é um profundo conhecedor da interioridade humana, onde ocorrem dois dinamismos em contínuo conflito: o eu farisaico, que aproveita de todas as ocasiões para brilhar (cultura da aparência, e chamar a atenção sobre si); e do outro, o eu profundo, sábio que, na sua liberdade e bondade deixa transparecer sua luz no encontro com o diferente.

 

As imagens e as palavras de no evangelho deste domingo são tremendas. Os que buscam ocupar os “primeiros lugares” expressam uma interioridade vazia e estéril, reveladora das necessidades características do ego, que busca “aparecer” diante dos outros, para autoafirmar-se, e se sentir superior aos outros, “autoidolatria” até para ele normal.

 

A pessoa sábia, no entanto, compreende que tudo o que os outros pensam ou digam a respeito dela não lhe acrescenta nem lhe tira nada de seu valor. Ela não se move a partir da necessidade de agradar ou de “ficar bem” diante dos outros. Vive na coerência com o que é mais verdadeiro em seu interior, onde o ego não tem predomínio. Não busca reconhecimentos nem bajulações, nem persegue os primeiros lugares. 

 

Portanto, o sábio não atende aos necessitados – “pobres, aleijados, coxos e cegos” – para receber uma “retribuição” futura, senão porque sabe que são de sua mesma “família”. O comportamento dele se caracteriza pela gratuidade. Não busca o interesse egóico, porque não se deixa determinar pela sua carência. 

 

O evangelho deste domingo nos convida a estar com Jesus numa refeição, em casa de um dos chefes dos fariseus; Ele era consciente de que muitos desse grupo religioso estavam contrariados com sua forma de proceder e vigiavam seu modo de falar e agir. Faltavam seus amigos: os pobres, aleijados, coxos, cegos...

 

A conduta dos convidados e do chefe fariseu são uma ocasião privilegiada para propor os valores do Reino. No banquete da vida não basta dar e receber generosamente, mas acolher com gratuidade todo aquele que não pode oferecer nada em troca. A nova comunidade do Reino é esse banquete no qual todos tem lugar, e se sentem convidados, sem merecimentos ou dignidades adquiridas.

 

O relato deste dia recorda o modo original de Jesus, e um chamado para que sejamos comunidade inclusiva e aberta, na qual se respeite as diferenças e se constrói a fraternidade. Na mesa “cristificamos” e “sacralizamos” os frutos da terra e do trabalho humano.

 

A mesa tem o poder de reconstruir laços quebrados ou perdidos em nosso passado. Respiramos juntos o mesmo ar, compartilhamos o mesmo sonho, a mesma missão... Um caminho “mistagógico”que é pura acolhida do Mistério revelado na mística da mesa.

 

Podemos ler o evangelho deste domingo também em chave de interioridade: no nosso eu mais profundo há uma mesa pronta para a refeição; geralmente é o “fariseu” que nos habita o controlador desta mesa; é o nosso ego inflado, perfeccionista, legalista, dominador que não admite a presença de nossos pobres, aleija-dos, coxos, cegos, enfim, todas as dimensões de nossa vida que foram excluídas, reprimidas e marginalizadas. O evangelho nos revela que em nossa interioridade há muitas vivências, experiências, feridas, fragilidades, fracassos, crises... que não foram acolhidas, nem integradas, e que clamam por um lugar à mesa do coração; “multidões” nos habitam e querem compartilhar a mesa da vida.

 

O nosso fariseu interior também convida Jesus para participar da sua ceia; Jesus acolhe o convite, mas não se sente bem à mesa do fariseu pois nota a falta dos seus amigos pobres

 

Também a gratuidade só pode ser vivida quando a identificação com o nosso ego, cai. Então, emerge uma nova consciência que se revela no acolhimento de nós mesmos, no deslocar-nos entre os “últimos”, no sentir-nos em comunhão com aquelas dimensões da vida que são excluídas e que não tem nada a retribuir a não ser sua própria fragilidade. Mas, sabemos pela revelação bíblica, que Deus tem mais facilidade de “entrar” em nossas vidas pelas fendas das feridas, dos fracassos, das derrotas...

 

“Os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos” são eu mesmo. Descubro a bem-aventurança como minha verdadeira identidade, ou seja, aquela na qual tudo está interligado, como numa imensa rede, onde nada é descartado.

 

Pobres e aleijados, cegos e coxos podem nos levar ao caminho da completude. Tudo, e principalmente aquilo que eu considero feio em mim mesmo, deve ser incluído e acolhido na completude com Deus. Posso tornar-me completo em Deus, apenas se eu lhe oferecer minhas fraquezas, feridas e fracassos... A “descida” à minha mesa interior vai, aos poucos, despertando uma sensibilidade para também “descer” ao mundo do outro; o encontro com minha própria humanidade ativa um deslocamento em direção à humanidade do outro.

 

Quem “desce” às margens de sua interioridade, se aproxima da terra privilegiada do encontro com Deus, que se manifestou em Jesus de Nazaré, o amigo dos pobres e pecadores.

 


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