Minha Autobiografia

O que dá sentido à vida é, muitas vezes, mais importante do que a própria vida... 

Nasci em Vigo, Espanha, bela cidade à beira do mar Atlântico, no dia 01/AGO/1942 e sete dias depois fui batizado na Igreja Paroquial de Santiago Mayor (08/08/1942). Meu pai, Fabriciano, jornalista, viveu distante da religião católica e alguns até o tinham como agnóstico. Minha mãe, Josefina, pelo contrário, sempre foi católica praticante e militante. Eles viveram amorosamente juntos apenas 15 anos.

Recebi por primeira vez a Sagrada Comunhão junto com o meu irmão Estanislao, na Capela das Servas de Jesus, no dia 15/JUL/1949. Numa sociedade culturalmente católica os ritos sempre foram importantes. 

Somos 6 irmãos, cinco homens e uma mulher e desde jovens já se percebia, até pelas fotografias, que os ímpares, isto é o primeiro filho, o terceiro e o quinto éramos tranqüilos e amorosos; os outros, os pares, pelo contrário, eram agitados e agressivos. Com o passar dos anos estes últimos, os pares, romperam os seus matrimônios. Minha irmã, a caçula, por mistério da natureza, é diminuída psíquica.

Nosso apartamento, enorme, possuía belas peças de arte: telas a óleo, peças de prata, esculturas de bronze e uma razoável biblioteca... Minha infância e adolescência transcorreram, pois, entre a razão e a fé, o belo e o grande, mas eu me sentia bem mais à vontade numa praia ou a percorrer os campos de uma antiga e nobre fazenda, o Paço de Vilanova, em Dormeá (Prov. da Coruña), que minha mãe herdara, dos seus antepassados e onde passávamos as nossas férias de verão. A pequena igreja desse povoado era românica, do século XII. Uma preciosidade arquitetônica.

Estudei, junto com os meus irmãos, no Colégio Apóstol Santiago, dos Jesuítas/Vigo, de minha cidade (1952-58). Lá aprendi a sonhar e a conviver. Tive boas amizades e algumas namoradas. Meu pai faleceu em 1955 e, desde então, a morte deu-me medo. Perder alguém que ficava muito de perto e do qual todos dependíamos, além de doloroso foi traumático.

Minha vocação surgiu ao visitar, inesperadamente, uma favela, com um grupo de amigos. Era domingo e o dia estava chuvoso e frio. Incomodado pelo mundo dos pobres que até então não havia visto e sentido, dormi mal naquela noite. A partir de então, comecei a lutar por um mundo mais justo e fraterno, deixando de lado “necessidades desnecessárias” e buscando, com todo empenho, o fundamental. Deus saiu ao meu encontro e, pouco depois, começava a pensar em vocação para a vida religiosa. 

Entrei na Companhia de Jesus (21/SET/1960) ao terminar o Ensino Médio. Estava, então, com 18 anos. Aos 22, após ter feito o Noviciado e o Juniorado em Salamanca/Espanha, fui destinado pelo Provincial Pe. A. Tejerina, para o Brasil aonde cheguei no dia de S. Francisco Xavier (3/DEZ/1964). O navio, Amazon, era de bandeira inglesa. Viajei com o Pe. A. Rueda, que retornava da sua 3ª Provação. Uma lembrança especial para o meu excelente mestre de noviços, Pe. Faustino Boado, ex-misionário na China e expulso de lá pelo governo comunista.

Em 1965, comecei o meu 1o ano de Filosofia em Nova Friburgo/RJ; o 2o e o 3o foram nas Faculdades Anchieta, na Via Anhanguera/SP (1965-67). Também fiz o curso de Pedagogia na mesma Faculdade (1965-69), durante as férias de verão. Foram tempos de grandes mudanças externas e internas na vida religiosa, tempos do Concílio Vaticano II. O Escolasticado passou de N. Friburgo/RJ para S. Paulo; acabavam as batinas e aparecia o clergymen. Pouco depois já estávamos todos com roupa “normal” e secular... Mudanças externas e internas, pois passamos da grande comunidade para as pequenas comunidades; oração como escuta da palavra interior de Deus; discernimento pessoal e comunitário; fé e justiça, etc. Muitos companheiros deixaram a Companhia, pois foram tomando outras decisões.

Iniciei a etapa do Magistério (1968) em Goiânia/GO, por um semestre, trabalhando com o Pe. Monteoliva no movimento de jovens CJC (Cursos de Juventude Cristã) e que ele fundara. Depois fiz um ano ajudando no Seminário Menor do ISI, Belo Horizonte/MG, inaugurando seus novos prédios. O Pe. Madruga, dinâmico e inteligente, era o superior.

Iniciei a Teologia em S. Miguel (1970), Buenos Aires (Argentina), mas após o 1º ano, o Pe. Marcelo de Azevedo, jovem e dinâmico provincial da Goiano-mineira, me destinou para continuar na Universidade Gregoriana (Roma), onde acabei fazendo Mestrado em Teologia Espiritual, com o inesquecível Pe. Malatesta (1971-74). Posteriormente, em 1998 fiz um curso excelente sobre o Antigo Testamento com o Pe. Francesco Rossi de Gásperis, em Jerusalém/Israel, onde fiquei por alguns meses.

D. José Delicado Baeza ordenou-me de presbítero (31/08/1972), em Vigo, minha cidade natal. Eram tempos de grande secularização e de muitos questionamentos sobre a Igreja e a Vida Consagrada.

Em 1975 fundamos a Equipe Pastoral do ISI/BH (Pe. Netto, Inácio Perez e eu). Em 1977 fui destinado à Escola Apostólica de Nova Friburgo, como espiritual. No ano 1978, o diretor da Escola Apostólica escreveu uma carta a todos os jesuítas da Província para saber quantos jovens teríamos no próximo ano. Só respondeu um dizendo que não tinha ninguém. Fechava-se assim a famosa Escola Apostólica de Nova Friburgo (1979).

Então, comecei a trabalhar na Pastoral do Colégio Anchieta, Nova Friburgo/RJ, em 1978. Em 1980 surge a Comunidade Vocacional (CV), como alternativa à Escola Apostólica; estruturas menores e com uma formação mais personalizada dos jovens. No início desse mesmo ano, 02/FEV, fiz meus últimos votos na Capela da Casa de Retiros de Itaici/SP. Em 1981 a CV passou para BH, e eu com ela. Com a ida do Escolasticado para BH, a CV foi trasladada, mais uma vez, ano de 1982, para Juiz de Fora/MG, onde fiquei até 1987, quando me destinaram para Itaici/SP.

Em 1988, iniciamos a equipe do CEI-Itaici, sendo o Pe. Netto Superior e eu diretor da Casa de Retiros de Itaici (1988-1994), quando fiz algumas reformas dentro da casa (pintura da Casa, capelas, etc.) e a Biblioteca fora da casa, como o refeitório para os funcionários, lavanderia, ampliação da área dos jardins da Ala “C”, etc., contava sempre com a assessoria do artista sacro C. Pastro. Em 1989, 28/JUL, após o fim da ditadura militar, fui naturalizado brasileiro.

Em 1995-1998 tive uma passagem rápida pelo Anchietanum/SP, tentando colocar a casa a serviço de uma Pastoral mais “inaciana” com jovens. Encontrei muitas resistências e dificuldades e entrei numa bela depressão. Reconciliei-me com a irmã morte em 1998, participando como filho e como padre da Páscoa da minha saudosa mãe.

De 1999-2005 fiquei novamente como diretor da Comunidade Vocacional. Encontrei uma bela casa no bairro Paineiras, Juiz de Fora/MG, e uma proposta de formação bem mais organizada e articulada. Nesse tempo, além de organizar as Reuniões de Formação no computador da casa, fomos melhorando a estrutura da mesma: ambientação do terraço, construção da lavanderia externa, ajardinamento, etc. Tentamos fazer um ambiente mais humano e agradável. Nesse tempo tive como “mestres” os escolásticos Roberto Carlos della Negra/1 ano, Édison de Lima/2 anos, Alexandre R. de Souza/1 ano, Adilson A. da Silva/1 ano, Rogério de P. Barroso/1 ano e Roberto Donizeti Silva/1 ano), jovens jesuítas criativos e sonhadores. Foram tempos de crescimento pessoal e de adaptação mútua.

O que dizer dos vocacionados que passaram pela CV nesses anos? Nunca uma turma foi igual a outra! Também foi uma graça poder conviver e conhecer o melhor da nossa juventude, pois além de idealistas estes jovens eram também muito saudáveis. Os problemas surgidos e enfrentados fizeram parte do extrato comum da frágil natureza humana.

De 2003 a 2008 tive ainda a graça de pertencer à equipe central da CPAL (Conferência dos Provinciais da Companhia de Jesus da América Latina), coordenando o Setor de Vocações. Peguei os dois últimos anos do Pe. Francisco Ivern, fundador e primeiro presidente, homem organizado e de horizontes grandes, e depois os primeiros anos do Pe. Ernesto Cavassa. Nesse fórum privilegiado pude mergulhar na realidade latinoamericana, na busca de projetos interprovinciais. O pequeno (Comunidade Vocacional) e o grande (América Latina) conviveram juntos no meu coração, por um tempo, e se deram muito bem. Foram anos abençoados, de pensar grande e viver no pequeno mundo de uma Comunidade Vocacional.

Como padre quase sempre trabalhei na animação vocacional, provavelmente por ter trilhado esse caminho pedregoso de um modo vital e consciente. É bonito trabalhar com gente jovem e sonhadora. Aliás, alguns dos meus livros trataram desse assunto.

Em agosto/2006 o Pe. Provincial Carlos Palácio me destinou para o Centro Pastoral Santa Fé/SP. Tempos de adaptação a uma equipe jovem (meu superior religioso tinha sido vocacionado meu) e a uma ação pastoral engajada na imensa periferia de São Paulo. Confesso que não consegui me adaptar ao projeto da obra e, num certo momento percebi que estava sobrando.

Em março de 2007 o Pe. João Roque Rohr, Provincial do Brasil, me nomeou Assistente eclesiástico nacional da CVX e em JUL fui nomeado diretor do Centro Loyola de Fé e Cultura da PUC/RJ (2º Semestre) e da Casa de Retiros Pe. Anchieta (S. Conrado/RJ). Tentei dar continuidade e revitalizar de algum modo essas obras, com a ajuda de uma boa equipe. Confesso que foi excelente o breve tempo passado no Rio, pois me adaptei muito bem aos cariocas e estes a mim.

Em dezembro de 2008 me nomraram diretor da Formação Cristã e Comunitária da ETE FMC/S. Rita do Sapucai/MG e, no ano seguinte, participei do Jubileu de Ouro da Escola e dos eventos relacionados com ela. O ritmo da Escola era intenso, o que evidenciava sua vitalidade. Aos poucos, ajudei a dar vida ao bloco 1 (Acervo Institucional, Museu de Eletrônica, Centro Cultural Anchieta, ASIA, CVT...). Também conseguimos dinamizar a Casa N. Senhora da Paz e fazer o Manual de procedimentos internos do Setor da Formação Cristã e Comunitária.

Em JUL/2010 passei por uma experiência nova na minha saúde: Angina pectoris... Fiz cateterismo, 27/JUL, no Hospital Regional de Pouso Alegre e o resultado descartou a angioplastia; fui encaminhado para a cirurgia cardíaca no mesmo hospital. Muitas pessoas manifestaram seu apoio solidário e rezaram por mim. Agradeço de “coração!” A cirurgia teve lugar no dia 20/AGO, com o Dr. Alexandre Huebe e equipe.   

No início de 2012 assumi a direção do Centro Cultural de Brasília/DF. Encontrei muitos problemas na obra, mas também conheci gente famosa e importante. Descobri pessoas significativas que tem luz própria e outras que desejam brilhar às custas dos outros. Com as primeiras fiz verdadeiras amizades. Iniciamos o grupo da Diversidade Cristã e fizemos no CCB o primeiro encontro interreligioso com budistas, baha´is, judeu, presbiterianos e católicos. Deus foi muito bom para comigo! 
No dia 27/FEV/2013, véspera da renúncia do Papa Bento XVI, fui operado pelo Dr. Renato Costa Souza, às 14h45, para extirpar a vesícula, pois tinha uma pedra muito grande. No dia seguinte, antes do meio-dia já estava em casa... 

Meses depois e no mesmo ano de 2013, me operaram de cataratas (cirurgia facectomia C/implante de Lio) no Institutos Oftalmológicos Associados, de Brasília, nos dias 7/SET e 21/SET. Espero que a minha "visão interior" das pessoas e de Deus  tenha também melhorado.

2014 começo me encontrando com uma nova missão dada pelo Pe. Provincial: Casa de retiros Vila Kostka-Itaici, Indaiatuba/SP.

No dia 20/ABR/2018 fui operado de um nódulo, que doía muito, no dedão do pé direito, pelo Dr. Rogerio Maschieto. O nódulo, embora muito pequeno, seguiu o procedimento normal de toda cirurgia (risco do cardiologista, entrevista com o anestesista, camisolão hospitalar, cofia, soro com anestesia local, tempo de recuperação...). Após 4 h. estava novamente em casa, e no dia seguinte me levaram a São Paulo, para fazer um batizado na Igreja São Luís...       

Nesta minha caminhada muitas pessoas se fizeram amigas, pela bondade delas; outras colaboradoras e outras, não tanto, pelas minhas limitações. 

Acho a vida um mistério muito profundo. A fé me ajudou a não cair na insensatez e no absurdo. Gosto de escrever. Escrever é como decifrar um pouco o mistério da vida, e dar-lhe um certo sentido. Escrevi alguns livros; Oração e libertação/1976; Você, Para quê? Para quem?/1979; Discípulos do Senhor hoje/1981; Na terra como no céu/1982; Ao encontro de Inácio de Loyola/1983; Acompanhamento Vocacional: um caminho/1988; e na Coleção Leituras e releituras: A crise da meia-idade e outros temas espirituais /2001), e diversos outros artigos de espiritualidade nas revistas Manresa/Espanha (1973), O mensageiro de S. Antônio/Itália (1973) e outros publicados em ITAICI, revista de Espiritualidade Inaciana (1992-2010) e nas páginas WEB do Centro Loyola/Rio, ETE FMC/SRS e no meu Blog Terra Boa, iniciado em AGO/2011.

Como jesuíta, tentei concretizar o melhor de mim mesmo, embora muitas vezes tenha me deparado apenas com as minhas limitações, que não são poucas. Por vezes, tenho me topado com este pensamento: “Como pode? Estou fazendo coisas muito maiores do que eu mesmo!” E via nelas claramente a presença do Senhor Ressuscitado...

Em AGO de 2020, me pegou o vírus da Covid, e fiquei quase todo o mês de agosto internado na UTI do hospital Santa Catarina. As sequelas: dor de cabeça, mente fraca e fragilidade nas pernas precisando por 15 dias de um andador, foram trabalhados por 5 meses, na nossa Casa de Saúde e Bem estar de São Paulo. Graças ao bom Deus fiquei melhor, mas não como era antes... Deus seja louvado!

Fui vacinado na nossa Casa de Saúde de SP com a CoronaVac, do Butantan no dia 22/01/2021 (primeira dose), no 12/02/2021 (segunda dose) e a terceira dose, da Pfizer, no dia 22/09/2021, na UBS (Unidade Básica de Saúde), do bairro. Havia muita gente tomando vacinas. Bendito seja Deus!

Faz já alguns meses fui diagnosticado com “hidrocefalia”, devido a alguns sintomas persistentes no meu corpo: dificuldade para andar, descontrole urinário, perda de memória, certa dor de cabeça... devido ao acúmulo excessivo de “líquor”, líquido cefalorraquidiano, nos ventrículos cerebrais.


No dia 23/NOV/2021, a nossa Casa de Saúde e Bem-estar de São Paulo me encaminhou para dois exames específicos: 1º Um Eletro-neuro-miografia dos membros inferiores e superiores (pernas e braços), bastante incômodo pelas diversas picadas e choques elétricos que dão nos nervos e músculos do corpo; 2º A Ressonância magnética. Ajudado por um auxiliar, sou colocado na mesa do equipamento de RM na posição de decúbito dorsal (“barriga para cima”). Logo, a mesa desliza para o interior do aparelho de RM (uma espécie de túnel fechado). Durante o procedimento, e em repouso absoluto, a máquina emite fortes e diversos ruídos que mesmo com protetor de ouvidos são agudos e impertinentes. 


Em Agosto de 2022 comecei, sem nada querer nem buscar, uma nova etapa de minha vida. Fui a Espanha (Vigo) para um encontro fraterno, pois meus irmãos tinham enterrado messes antes a nossa irmã. Comecei a ter mais dificuldades de caminhar. Poucos dias depois, o superior da Comunidade (Pe. Fernando) e o ministro (Pe. Benito) me levaram de carro para a Casa de Saúde e bem-estar que temos em Salamanca. Em 1962, nesta mesma casa comecei, cheio de vida, meu noviciado. Agora, 80 anos depoi voltava fisicamente derrubado. Após alguns exames de saúde me dizem que estou com estenose lombar, causa de meu desequilibrio e dificuldade de caminhar... Me entregam um andador que será companheiro inseparável de minha vida. 

Deus seja louvado!


PD. Escrevi alguns livros pelas edições Loyola/SP e outros artigos em diversas revistas...



3 comentários:

  1. Márcio Luiz - Tive a honra de conviver com Pe Ramon, no ano de 2003, na Comunidade Vocacional dos Jesuítas, em Juiz de Fora. Foi um ano de intenso discernimento vocacional, aprofundamento espiritual e humano-afetivo, que culminou com minha entrada no Seminário Diocesano, no ano de 2005. Tenho muito a agradecer a este querido amigo que muito me ajudou e agora nos completa com essa linda biografia

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  2. Agradeço ao Padre Ramon S.J. ,a base dos EE recebida como Diretor Espiritual na convivência da Comunidade Vocacional , e na Coordenação do SOE no Colégio dos Jesúitas em Juis de Fora .
    Luis Otavio, Arquiteto.

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  3. P. Ramon, buenas tardes.
    Si que tu vida ha sido y es de trabajo y compartir con los otros.
    Recibe un abrazo,
    Teresa (Bolivia)

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