A graça da minha Vocação...

Entraste na minha vida para sempre...
Em ziguezague caminhava totalmente perdido, pelas estradas do mundo! Meu ponto de partida ficava distante, imerso na penumbra do tempo, e já não mais o via. Na minha frente mil e uma possibilidades, todas elas confusas e perdidas. O tudo era nada e o nada, maliciosamente era tudo. Assim era a minha vida...

Como criança, o primeiro que via, amava. Era o momento, apenas fragmentos de uma existência que não me saciavam. Quantas vezes convertia-me naquilo que avistava e quando me olhava assustado, percebia que estava vazio. Nada. Nada havia! Apenas um imenso deserto me ocupava!

Tudo era tão relativo! Monotonia tão igual. E as pessoas? Objetos iguais aos outros e, quando alguém destacava, brilhava por pouco tempo. Logo voltava para o vazio e o silêncio...

Quantas vezes me perdi em sonhos sem sentido e em fantasias loucas. O barulho me envolvia continuamente como um disforme líquido amniótico. O único que consegui, após tão longo caminho, foram feridas. Só feridas! Oh! Vida sem sentido! Luz que não ilumina; água que me foi dada e não sacia... Onde está a fonte?

Cheguei até a morte. Sim, por uns segundos, experimentei a frieza do seu olhar e ao mesmo tempo o tremor em todo o meu ser. Como ave de rapina ela estendeu estupidamente sua mão impassível e, quando estava já para me levar, completamente entregue ao seu terrível e sedutor desencanto, desapareceu, como fulminada por uma visão apocalíptica.

Foi um terremoto interior. Em pouco tempo nada ficou de pé. O que era importante deixou de sê-lo e o que eu nunca enxergara, começou a despontar. Um novo mundo se abriu diante dos meus olhos. Cego para o que antes vira, extasiava-me agora com o novo. Foi o que sucedeu. Bem ali, no meio do túmulo que fabricaram, Ele veio me procurar, iluminando-o e escancarando-o para sempre. Sem ver, percebia tudo e sem ouvir, compreendia com grande clareza. Meu Deus do Céu, a Vida se apresentava esplendorosa para mim.

Foi um suave murmúrio... A vida explodia por todo o meu ser numa harmonia indizível. Com azeite e vinho curaste minhas feridas e com carinho me arrancaste do atoleiro em que estava metido. Sem nada dizer, tudo dizendo, me fitaste nos olhos e, com alegria, senti-me renascer. Tu, Senhor, me acenaste e me chamavas para seguir-Te! Esquecendo o meu passado e compreendendo o incompreensível, superaste os limites de minha arrogância. Com certeza, eu não era o primeiro. Quantos e quantas, bem antes de mim, experimentaram a gratuidade do que agora também eu estava sentindo. E por vez primeira senti irromper a aurora no meu peito, como água viva e luz divina...

Oh! Senhor, como era cego! Tarde te conheci, tarde te amei!... Naquele momento percebi que chamando-me me salvavas e salvando-me me chamavas... Que mais se podia fazer? E eu, manco como estava, levantei-me e como um novo Jacó entrei na tua Terra Prometida.

Sei que não sou o último, Senhor! Detrás de mim, outros virão, tocados misteriosamente por Ti no âmago de suas vidas. Tu sais misteriosamente ao encontro de todos e não cessas, até nos vencer. Como outrora chamaste aqueles primeiros, agora o fazes conosco. Como não Te amar e Te seguir? Se fechasse meus olhos, Te veria por toda parte e se tapasse meus ouvidos, Te escutaria no meu coração...

Depois que Te conheci, não poderia fazer outra coisa senão ir contigo. Parafraseando a bela Rute digo de coração: Para onde Tu fores eu irei, onde Tu ficares eu permanecerei!

5 comentários:

  1. "Esquecendo o meu passado e compreendendo o incompreensível, superaste os limites de minha arrogância."

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  2. Um texto muito bonito, Padre Ramón. É impressionante como a graça de Deus nos toca e nos transforma.
    Lylia

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  3. Lindo texto o de Hoje. Identifiquei-me em vários pontos! A fonte é a mesma e reconhecemos os traços de quem chama nos relatos e "sintomas" dos tocados de modo tão proximo!

    Lembrei-me de um texto do Papa Francisco sobre as vocações, no qual ele diz que "a vocação brota do coração de Deus e busca resposta em terra fértil do coração humano"...

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  4. Acabei de ler seu artigo "A graça da minha vocação". Muito bom!!

    veio como um bálsamo..rs

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  5. Felizmente Ele é assim, surpreendente. Sou feliz por assim ser.

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