Homossexualidade e Religião... (Cf. Vitor Mancuso)

Acolher os filhos de Deus, assim como vieram ao mundo...

O tema fica aberto até que não aceitemos a realidade como ela é. Sabemos que  o parecer das religiões sobre a homossexualidade é principalmente negativo, mas alguma coisa está mudando. A frase do Papa Francisco (de 28/JUL/2013): "Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar? fez história. Chocou porque os papas anteriores sempre julgaram negativamente este tipo de relação.

Tais oscilações as encontramos em todas as religiões. Certamente há uma evolução produzida pelo "espírito do mundo", expressão dr Hegel qualificando a ação divina. Há, em todo o mundo, uma reescritura da relação entre indivíduo e sociedade, não mais sob a bandeira da sociedade e suas tradições, mas sob aquela do indivíduo e sua realização pessoal. 

A atitude das religiões sobre a homossexualidade apresenta variadas orientações que vão da intransigente condenação até a mais total aceitação.

As religiões abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islã) são mais fechadas, mas a mais radical é o Islã. Em grande parte do mundo muçulmano, a homossexualidade não é aceita e, em alguns países (Afeganistão, Arábia Saudita, Brunei, Irã, Mauritânia, Nigéria, Sudão, Iêmen) é castigada com a pena de morte. No entanto, em outros países, mesmo de maioria muçulmana, ela não é ilegal (Albânia, Líbano, Turquia...) e há discussões sobre a legalização do casamento gay.

No Judaísmo há: a) Ortodoxos que consideram a homossexualidade uma aberração e tendem a excluir as pessoas com esta orientação; b) Conservadores aceitam as pessoas, mas rejeitam a prática homossexual; c) Reformistas: a homossexualidade é aceitável, tanto quanto a heterossexualidade.

O cristianismo reproduz-se a mesma situação: a) Há luteranos e anglicanos ,que não aceitam a ordenação de gays nem casamento entre pessoas d mesmo sexo; Outros, ordenam e casam. Os protestantes pentecostais (adventistas, assembleias de Deus, mórmons, testemunhas de Jeová) são, em geral, opostos aos direitos dos homossexuais, enquanto os protestantes históricos (luteranos, reformados, anglicanos, batistas, valdenses) são mais liberais e favoráveis.

Na Igreja Católica acontece o mesmo: aceita-se as pessoas, mas não a prática. "Os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados". E disso decorre uma consequência implacável: "As pessoas homossexuais são chamadas a viver a castidade...".

Mais controversa é a posição sobre a ordenação sacerdotal, pois nm documento da Congregação para a Educação Católica, 2005, sobre a admissão de homossexuais no seminário, diz: "A Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao seminário e às ordens sagradas aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a assim chamada cultura gay". Isso não impede que haja no clero católico e nas comunidades homens e mulheres com orientação homo afetiva, com um percentual difícil de calcular, mas certamente não menor do que na sociedade.

A maioria dos católicos africanos e asiáticos compartilham desta intransigência doutrinal. Europa, Usa e Canadá são mais liberais. Há poucos dias, a Conferência dos Bispos da Suíça e também da Alemanha diziam: "A pretensão de que as pessoas homossexuais vivam a castidade é rejeitada por ser considerada injusta e desumana. A maior parte dos fiéis considera legítimo o desejo das pessoas homossexuais terem sexo e relações de casal, e uma grande maioria gostaria que a Igreja os reconhecesse, apreciasse e abençoasse".

Em âmbito cristão os argumentos contra o amor homossexual são dois: a Bíblia e a natureza. O primeiro é baseado em alguns textos bíblicos que a condenam explicitamente (Lv 18,22-23 e 1 Cor 6,9-10). O segundo afirma o imprescindível dado da natureza, que se impõe à consciência a ponto de transformar-se em lei, a lei natural, onde o macho procura a fêmea e a fêmea procura o macho, de modo que qualquer outra forma de afetividade é considerada não natural, expressando ou uma patologia ou uma verdadeira e própria perversão, isto é, doença ou pecado.

Qual é a força destes argumentos? O argumento bíblico é fraco, não só porque Jesus não falou uma única palavra a respeito disso, mas principalmente porque a Bíblia contém textos de todos os tipos, incluindo alguns considerados hoje eticamente insustentáveis. Os textos bíblicos que condenam os gays devem ser colocados entre estes eticamente insustentáveis, como os que incitam à violência ou apoiam a subordinação das mulheres. Eles precisam ser superados.

Quanto ao argumento da natureza: Não há dúvida de que a relação correta seja a da complementaridade entre o masculino e o feminino. Também, não há dúvidas, que o fenômeno da homossexualidade se dá e sempre se deu na natureza. É preciso, pois considerar os dois dados juntos: temos uma fisiologia de fundo e uma variante com relação a ela. Como definir essa variante? As interpretações tradicionais de doença ou pecado hoje não convencem mais. A homossexualidade não é uma doença que se pode curar, nem é um pecado deliberado. Como interpretar, então, esta variante: deficiência, riqueza, ou apenas outra versão da normalidade? Isso, cada um deverá responder por si mesmo. O que eu posso dizer é que este estado se impõe ao sujeito, e não é objeto de escolha. Por isso trata-se de um fenômeno natural. Com isso cai também o argumento contra o amor homossexual com base na lei natural.

Os argumentos a favor estão concentrados num só: o direito à plena integração social de todo ser humano, independentemente de sua orientação sexual, assim como se prescinde da idade, riqueza, educação, religião, cor da pele. Aceitar uma pessoa significa aceitar também sua orientação sexual. Não se pode dizer: Eu aceito você, mas não a sua orientação! A orientação é inseparável da pessoa. 

maturidade de uma sociedade é medida sobre a possibilidade dada a cada um de realizar-se plenamente em todas as dimensões da sua personalidade.

A maturidade de uma comunidade cristã se mostra na capacidade de acolher os filhos de Deus, assim como vieram ao mundo, sem excluir nenhuma dimensão.

E você o que acha desse tema?

8 comentários:

  1. Texto que leva à reflexão, aumenta o conhecimento. Mais uma vez, obrigada pela coragem e sabedoria evangélica.

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  2. Texto inteligente. Quem tem ouvidos, ouça. Quem sabe ler, leia.

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  3. "Vá e não peques mais"( Jo 8,11). De facto, as relações homossexuais foram, são e e serão sempre pecaminosas à medida que Deus é imutável e eterno e a sua lei é irrevogável. Em tempos de mudanças de costumes, materialismo e individualismo os homens repelem tudo o que é moral e belo e revoltam-se até mesmo contra a própria tradição.
    “Bem aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus” (Mt 5,8).

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  4. Padre Ramon, sou pecador, mas o pecado não é intrínseco à minha pessoa. Se é assim, sou um santo frustrado na condição de um pecador. Podes me amar e odiar meus pecados. Jesus não amou a condição da mulher adúltera, as peripécias negociais de Zaqueu. Naquela época, como hoje, tudo era bem normal e se fazia. Intrínseco à nossa condição é a filiação divina, o resto, nossos gostos pessoais ou vontades ainda que mais primárias são esterco como dizia São Paulo. Não podemos cair na ciranda do relativismo. Jesus veio para nos trazermos para o início, "no início não era assim". A linha entre o preconceito e a compactuação é muito tênue e serpente está sempre a nos incentivar e violar as prescrições de Deus. Não justifico os meus pecados, os faço e me arrependo. (T.B)

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  5. Fantástico! Didático. Incita a reflexão, construindo libertação.

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  6. Como interpretar, então, esta variante: deficiência, riqueza, ou apenas outra versão da normalidade? Isso, cada um deverá responder por si mesmo. O que eu posso dizer é que este estado se impõe ao sujeito, e não é objeto de escolha. Por isso trata-se de um fenômeno natural. Com isso cai também o argumento contra o amor homossexual com base na lei natural.

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