Uma espiritualidade em tempos de pandemia vive do improviso, pois nenhum de nós sabe como lidar com esta situação. Sentimo-nos, mais vulneráveis e precários. O acontecido é uma distopia, uma calamidade. E, contudo, temos de olhar para este cronos como um possível káiros, tempo da graça.
Este é um tempo precário. Lembro que a mesma raiz etimológica aproxima as palavras em latim: precare, rezar e precarium, precário. A espiritualidade não se constrói com a força. Tudo tem de passar pelo mistério da cruz. E, por isso, este tempo calamidade temos de o interpretar como um tempo de graça.
A pandemia revelou que nos nossos estilos de vida já não havia lugar para o humano, nem para o transcendente.
Com tudo, em alguns países abriram-se gabinetes de apoio psicológico. Tempo de maior fraternidade e igualdade. Perceba as perguntas que as pessoas fazem...
Não é a pandemia que nos adoeceu, nós já estávamos doentes... A pandemia revelou que em nossos estilos de vida, não havia lugar para o humano... É tempo de ouvir o futuro, e de redescobrir o melhor de cada um...
Tempo de graça e de gratuidade. O tempo é superior ao espaço... A mística judaica fala do “tzimtzum”, segundo a qual Deus, para poder criar teve de dar um passo atrás. O tempo das catástrofes parecem tempos em que Deus recua, dá um passo atrás; contudo, é um tempo para descobrirmos o Deus da ternura, da misericórdia, do Deus comprometido com a pessoa humana, pois o próprio Deus vive este recuo. Damos um passo atrás para ter uma visão crítica em relação ao modo como vivemos o presente.
O “tzimtzum” permite olhar também para o tempo, e ouvir os múltiplos tempos que existem dentro de nós. Santo Agostinho fala de três presentes: o das coisas passadas, o das coisas presentes, e o das coisas futuras. O tempo é superior ao espaço.
Este tempo de isolamento é de aprendizado... Achávamos que só existia uma forma de presença, e descobrimos que são múltiplas e diversas. Este é um tempo de grande escuta espiritual, e perceber que a vida não se esgota no momento atual. Precisamos ouvir os passos do futuro, e dialogar com o futuro de uma outra forma.
Entramos numa nova época da história. A pandemia passa, e nós já estaremos em outra época da história. Precisamos nos preparemos para entrar nesse tempo novo. Por isso, não podemos olhar para este momento apenas como um parêntesis, e depois voltar à mesmice de sempre... Este tempo é um laboratório.
Muitas vezes estamos próximos e estamos completamente ausentes; outras vezes encontramo-nos e não nos entendemos ou estamos em comunidade e nos sentimos isolados, como ilhas de um arquipélago.
Este não é um tempo de pura sobrevivência, mas um tempo privilegiado para sonhar grande, e dar passos novos, pois há um desafio enorme neste tempo. Quantidade de histórias de amor, pequenas histórias, médicos, enfermeiros, pessoal técnico, pessoas dos laboratórios, sacerdotes, comunidades... Tantos gestos de amor: pessoas que ajudam os mais idosos a fazer as compras deles... Ninguém fique para trás!...
É um tempo de kénosis, mas também de graça; tempo de precariedade, mas também para descobrir a força da oração... O tempo é superior ao espaço.
Este não é um tempo perdido, ou de pura sobrevivência, mas tempo para sonhar grande, e viver projetos maiores... Tempo para sentir coisas que, possivelmente, antes não sentíamos.
E você, como está?
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