1º DTQ: O ESPÍRITO NOS ARRASTA... (cf. Pe. A. Palaoro SJ)

 “E imediatamente o Espírito impeliu Jesus para o deserto...” (Mc 1,12)


 É um privilégio iniciar este tempo litúrgico chamado “tempo quaresmal”, deixando-nos “arrastar” pelo mesmo Espírito de Jesus; tempo propício de plantar os pés na terra firme do evangelho e viver um compromisso transformador em nossa realidade. Nesse espaço e nesse tempo podemos sair de nossas inércias, e deixar de lado nossas seguranças e comodidades para transitar por novas paisagens. 

 

A Quaresma sempre indica um tempo especial, de crise-crescimento, de discernimento. E qual é o crescimento-maturação que este tempo nos propõe?

 

discernimento implica em uma escuta atenta com o mesmo Espírito que atuava em Jesus. É o Espírito, que nos conduz ao deserto para “desintoxicar-nos” de um modo de viver atrofiado, imposto por um contexto social centrado na busca de poder e prestígio. É preciso sair de nossos espaços rotineiros, para os amplos espaços do deserto, para ali viver de novo o encontro com a Voz e a Força que nos devolvem à vida, com outra inspiração. 

 

Neste ano, a CF está centrada no tema do “diálogo”; e o deserto quaresmal ajuda a limpar os canais de comunicação obstruídos pelo excesso de gordura do nosso “ego”: auto-centramento, interesses, vaidades... O diálogo implica num des-centramento, uma saída de si, para escutar e acolher o outro na sua diferença. O diálogo entre diferentes nos humanizaDialogar é abrir-nos ao outro, sair do nosso próprio mundo, criar vínculos com outras pessoas... multiplicando assim os pontos de vista, e enriquecer-nos humanamente.

 

Todo 1º domingo da quaresma a liturgia nos conduz ao deserto, onde Jesus foi “tentado”. 

 

As tentações de Jesus foram interpretadas num sentido moralizante: Jesus nos queria dar o exemplo para nos ajudar a superar nossas tentações cotidianas. As tentações não são tanto uma “prova” a superar quanto um “projeto” a ser discernido.

 

Jesus, depois do batismo, buscou o deserto para um tempo de oração, diante do Pai que o proclamou seu Filho. Tempo de confronto interior. Como viver a missão e a partir de quê lugar? Buscar o próprio interesse ou escutar a Palavra do Pai? Como atuar: Dominar ou servir? 

 

As tentações são, pois, expressão de dois tipos de messianismos, dois projetos, duas lógicas opostas: 

* Por um lado, a auto suficiência e segurança a partir de cima, um messianismo triunfalista, evitando conflitos com o poder político e religioso, alheio ao sofrimento do povo, adaptados ao “sistema”, servido antes que servir.

* Por outro lado, a solidariedade a partir da margem, da periferia da sociedade política e religiosa, a partir do povo vivendo a filiação e a confiança no Pai,  num estilo de simplicidade e pobreza alternativo ao “sistema”, optando por servir antes que ser servido. É a lógica de inclusão na linha do Servo de Javé e dos grandes profetas de Israel.

 

Fruto da experiência batismal de sentir-se Filho e do discernimento do deserto, Jesus elege a lógica da solidariedade e do serviço, a partir dos últimos. Jesus se deixa conduzir pelo Espírito divino em direção às margens excluídas, às “periferias existenciais”.

 

messianismo de Jesus se manifesta como “diferente” daquilo que muitos esperavam, pois ele começa a falar e a agir a partir da margem geográfica, cultural, religiosa e econômica da Palestina: a Galiléia.

 

Jesus iniciou uma vida itinerante e passou a viver a partir de um sonho: a utopia do Reino. Vivendo no meio de uma realidade conflituosa, descobre a chegada da hora de Deus e a anuncia ao povo: O tempo já se completou e o REINO de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!”  (Mc 1,15). 

 

Enquanto, todos tinham os olhos voltados para o centro (para o Templo de Jerusalém, onde era elaborado o que ia se expandir pelas sinagogas), Jesus revela sua presença nas “periferias” do mundo. A partir daí todos nós também devemos dirigir constantemente o nosso olhar para as “novas periferias”, lugar onde Ele continua nos convocando.

 

“O discípulo-missionário é um des-centrado: o centro é Jesus Cristo que convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais...” (Papa Francisco)

 

O quê significa “fronteiras geográficas e existenciais”? Sair dos limites conhecidos, de nossas seguranças para adentrar no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis...

 

periferia passa a ser terra privilegiada onde nasce o “novo”, por obra do Espírito. Ali aparece o broto original do “nunca visto”, que em sua pequenez de fermento profético torna-se um desafio ao imobilismo petrificado e um questionamento à ordem estabelecida.



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