“Os heróis do futuro serão aqueles que saberão romper com essa mentalidade doentia, decidindo sustentar palavras cheias de verdade, para além das conveniências pessoais. Queira Deus que esses heróis estejam surgindo silenciosamente no meio de nossa sociedade” (Papa Francisco: Fratelli Tutti 202)
“Olhar o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce” (EE. 224). S. Inácio utiliza esta expressão na 4ª Semana dos Exercícios: contemplação das aparições do Ressuscitado.
No diálogo com seus amigos e amigas, Jesus Ressuscitado exerce “o ofício do consolar”. Não é um ato pontual mas um “ofício” que definirá a atividade de seu Espírito no mundo. O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado. Jesus ressuscita e se encontra com cada um dos seus amigos e amigas, ativando neles o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção... Consolar é o que define melhor a ação do Ressuscitado transformando a situação dos seus amigos: a tristeza se converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia e audácia, a negação de Cristo em profissão de fé e martírio...
A cena do encontro de Jesus Ressuscitado no caminho de Emaús revela um longo diálogoamigável, que ficou marcado na memória dos dois discípulos que fugiam de Jerusalém, após a Paixão. O que havia acontecido com Jesus continua presente na memória e no coração dos dois discípulos. Dialogavam sobre o que significou o encontro com Jesus, e o fascínio sobre eles pelo anúncio do Evangelho.
No fundo do coração dos discípulos há um grande vazio que preenchem “conversando”. Estão confusos e desorientados, não conseguem entender-se, mas continuam a caminhar lado a lado e a dialogar; diálogo triste, de fracassados e que não leva a lugar nenhum.
É justamente no meio deste “diálogo” triste e sem esperança, que o Ressuscitado se faz presente.
Neste diálogo, tanto os conteúdos expressos como os aspectos relacionais ganham grande importância: palavras, gestos, olhares, tom da voz, silêncios, contexto...; tudo isso forma parte da diversidade e riqueza da revelação do Ressuscitado aos seus discípulos.
Ele extrai palavras significativas, previamente cinzeladas, que revelam dinamismo, sentido e alteridade. O diálogo é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura... um encontro entre viandantes que partilham histórias de vida, esperanças e frustrações... Dialogar é um caminho pedagógico, um processo gradual que requer de nós uma capacidade de escuta, de acolher e deixar-nos tocar pelo que o outro é, não só pelo que diz; uma capacidade de olhar com profundidade para reconhecer uma história santa, um caminho de salvação. É reconhecer no outro o que há de verdadeiro, bom e belo, e descobrir como o dinamismo de Deus atua no seu coração.
É ajudá-lo a descobrir, na trama de sua vida, as motivações profundas que o levam a ser e a agir de uma maneira muito pessoal.
O diálogo constitui uma das experiências humanas mais antigas e reveladoras de nosso ser profundo. Ele não se reduz a um mero intercâmbio de palavras; é um processo essencialmente ativo, inerente à nossa natureza relacional, cuja finalidade última é viver a experiência do encontro.
Dialogo é uma das aprendizagens vitais que não tem data de vencimento.
Há diálogo e “diálogo”. Há “diálogo” superficial que gasta palavras à toa e revela o vazio das pessoas. E há diálogo que vai fundo no coração e fica na memória. Todos nós, de vez em quando, temos esses momentos de convivência amiga, que dilatam o coração e vão ser força na hora das dificuldades. Ajudam a ter confiança e a vencer o medo.
Um diálogo, carregado de inspiração e sentido, brota de um coração apaixonado pelo bem do outro, de querer ajudá-lo na direção de seu fim último, de comprometê-lo intensamente em seu processo de crescimento e maturação de uma vida engajada.
Para que a pessoa possa abrir seu interior, ela deve sentir-se envolvida pela presença gratuita e acolhida terna que o outro pode lhe manifestar.
Trata-se de uma empatia a serviço de uma relação de ajuda segundo o critério do Evangelho. O diálogo deixa, então, transparecer as convicções, os sonhos, os sentimentos... da pessoa.
Em seu sentido mais radical e profundo dialogar é “converter-se” ao mistério do outro, é converter-se à alteridade. O diálogo reforça os laços, criando a comunidade de “amigos no Senhor”.
Sair dos corredores do próprio claustro interior e de seus mecanismos de defesa para converter-se em um servidor do outro, com a arma mais humana, mais sutil, mais imediata e universal, mais iluminadora e mais reveladora da própria maturidade: a palavra.
O diálogo nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência. As inúmeras possibilidades de dialogar são encontros que nos reconciliam com a vida, nos movem a crescer e a sair de nosso egocentrismo. Ele nos permite sentir que formamos parte da vida de outros e nos ajuda a levantar-nos quando as perdas, os fracassos, as enfermidades... tornam difícil nosso caminhar.
Dialogar é uma das vias privilegiadas que temos para nos fazer sentir que nossa vida é habitada por outros, que grande parte de nossa felicidade está no fato de sermos capazes de nos fazer presentes na vida dos outros e, ao mesmo tempo, deixar que estes se aninhem em nosso interior.
Reconhecimento, pertença, celebração da vida; sentir-nos capazes de pensar autonomamente, de ativar nossa própria identidade, de sermos aceitos e queridos a partir da nossa própria originalidade.... Cada diálogo tem seu porquê, seu ritmo e seu processo.
Para chegar a diálogos mais profundos e íntimos precisamos percorrer o caminho que se inicia no cotidiano e no aparentemente superficial. Encontrar-nos com os outros é uma experiência que requer seu tempo, seu espaço, seu ritmo. Nossa natureza relacional continuamente nos oferece oportunidades para dialogar; depende de nós fazê-los banais ou convertê-los em experiência de vida.
Se quisermos que a nossa vida cristã tenha a marca da Ressurreição, o convite é este: “sair do próprio túmulo” para viver “diálogos mobilizadores de vida”. É preciso remover as pedras da indiferença que foram soterrando a vida dentro de nós e romper os muros que cercam nosso coração; é necessário compreender que somos chamados a um compromisso diferente e mais profundo: destravar portas e janelas, sair da reclusão de nossas casas para entrar na grande “casa”de Deus; romper com o tradicional para acolher a surpresa; deixar a “margem conhecida” para vislumbrar o “outro lado”; afastar a “pedra” da entrada do coração para poder viver os diálogos com mais criatividade.
Conheço pessoas que não sabem dialogar, pois são agressivas e grossas...
Quanta riqueza neste post acima . Estar preparado para dialogar com um coração desarmado, com intuito de acolher o outro . De servir como ombro amigo nas horas em que o outro mais necessita . Isto é fantástico !
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