CORPUS CHRISTI: UMA EXISTÊNCIA EUCARÍSTICA ... (cf. Pe. A. Palaoro SJ)

Ide à cidade; um homem carregando um cântaro de água virá ao vosso encontro... (Mc 14,13)


Eucaristia ocupa um lugar privilegiado na espiritualidade dos cristãos. Mas, que celebramos no “Corpus Christi”? Algumas vezes oferecemos uma visão distorcida desse “mistério”: “Deus se faz Corpo e assume todos os corpos”... Somos convidados a voltar àquela casa onde o ritual pascal judaico dá lugar aos gestos simples que se fazem entre amigos: partilhar o pão, beber da mesma taça, desfrutar da mútua intimidade, e assim buscar recuperar o essencial. 

 

Há personagens do Evangelho cuja notoriedade ultrapassa as margens do texto onde são recolhidas suas atuações. São imagens históricas de alcance universal, tais como Lázaro, a Samaritana, Jairo, Maria Madalena, Zaqueu, Pedro...  Junto a estes personagens de primeira fila, encontramos outros, anônimos e sem protagonismo, presentes nas estantes menos visíveis do relato evangélico. Um dos mais desconhecidos é o “homem do cântaro de água”Uma aparição tão efêmera que a maioria dos leitores não se fixa nele, apesar de ser citado nos três primeiros evangelhos. Por isso, ele se revela como inspirador nesta festa de “Corpus Christi”.

 

Jesus mandou seguir um homem que encontrariam à entrada da cidadee que emprestou sua casa para que Jesus e seus discípulos pudessem celebrar a Páscoa. Este homem serviu a Cristo como a Igreja deve serví-Lo, sem perguntar qual seria o seu lugar à mesa.

 

Ele está “à sombra”, para não fazer sombra a outros. Sua atitude de acolhida e prontidão em abrir sua casa, ecolocando-se à inteira disposição dos outros são qualidades de todo bom discípulo. No seu anonimato, deixa transparecer sua “existência eucarística”: ele aponta para uma outra presença, a de Jesus. Na realidade, ele foi o verdadeiro discípulo servidor, dando sua contribuição decisiva ao mistério da salvação. Presença anônima, mas comprometida; ausência de recompensa ou de interesse próprio; música silenciosa. 

 

Um dos sintomas do processo de desumanização que estamos vivendo é justamente a resistência em acolher quem é diferente e diverso. 

 

acolhida é um dos termos bíblicos mais ricos e que nos ajuda a aumentar nossa relação com os semelhantes. Esse “homem do cântaro” nos ensina a sermos melhores e mais acolhedores...

 

O que significa hoje ser “presença eucarística”? No seguimento de Jesus não há só um serviço, mas um encontro, rico em assombro e fascinação. O contexto social pós-moderno nos coloca numa situação que atrofia o impulso humano da acolhida. Nossas casas em condomínios facilitam os encontros? Há um medo generalizado dos outros que tornaram nossas casas verdadeiras fortalezas, cercadas de parafernália eletrônica de segurança.

 

No entanto, a virtude da acolhida é um modo de proceder característico do seguidor de Jesus. Talvez seja a forma mais natural de amar. O acolhimento espontâneo é um valor humano e vital que gostamos de experimentar quando o fazem conosco

 

Receber todos com atenção, quebrar distâncias e preconceitos. Toda acolhida implica uma integração entre escuta e serviço. Os pobres são especialistas em hospitalidade e acolhida.

 

A presença silenciosa do “homem do cântaro” ativa em nós uma presença inspiradora, ou seja, uma “existência eucarística”. Tal atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outros relatos que trazem luz para nossa própria vida.

 

Só tem sentido celebrar “Corpus Christi” quando abrirmos nossas casas para os “corpos” explorados, manipulados, violentados, escravizados, destruídos...

 

Pode ser que, às vezes, tenhamos um profundo amor e respeito pelo “Corpo de Cristo vivo e presente na Eucaristia”, e não O vejamos nos “corpos” que estão aqui, ali, no nosso lado...

 

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