29º DTC. Deus se faz presente na minha inperfeição....

 “A única coisa perfeita do ser humano é a sua imperfeição...”(Isaac Rubin)

 

“O publicano voltou para sua casa justificado” (Lc 18,14)


 

Se algo fica patente no Evangelho deste domingo é a denúncia do perfeccionismo farisaico. O tão proclamado “ideal de perfeição” acaba produzindo consequências desastrosas para as pessoas. Essa busca torna-as rígidas, legalistas e intolerantes; seu “deus” é pura projeção dessa rigidez e moralismo.

 

A Bíblia nos apresenta, como modelos de fé, pessoas imperfeitas, marcadas pela fragilidade e o fracasso, e que colocaram sua esperança em Deus.

 

Jesus desmascara uma religião centrada no moralismo e no julgamento dos outros. Nesta parábola, Jesus contrapõe os dois extremos da sociedade judaica daquele tempo: o fariseu, expressão máxima da piedade e da moralidade, e o publicano, expressão máxima do pecador.

 

Ambos vão ao templo e, na oração, cada um deles revela sua vida e seus sentimentos.

 

“farisaísmo” é subir no pedestal do “legalismo”, distanciando-se do amor e da misericórdia de Deus; com isso, cai no orgulho religioso e é incapaz de converter-se a Deus no seu íntimo. A oração do fariseu submete Deus a si mesmo, cobrando o prêmio pelas boas ações. Agradece, não porque se sinta amado por Deus. Seu louvor e agradecimento é apenas um pretexto para louvar a si próprio, inflar o próprio ego.

 

salvação que esperamos não é fruto de nosso trabalho e penitência, de nossa prática legal e de nossas virtudes. Ela é puro dom de Deus, divino presente de seu coração de Pai. Só nos resta acolhê-la em atitude de humilde gratidão.

 

Na sua autossuficiência e com sua oração um tanto blasfema, o fariseu está aí, de pé, para dar espetáculo, aguardando o aplauso da plateia. O publicano, no entanto, nos revela que basta redescobrir o caminho da humildade (do húmus), bem no fundo de nós mesmos: este é o lugar da oração. A humildade é a porta para sair de um coração fechado em si mesmo e de um viver autorreferencial. 

 

A palavra latina “humildade” está relacionada com “húmus”, com a terra. Ser “humano” é reconhecer-se terroso, argiloso; é por essa razão que somos todos irmãos já que somos todos feitos de argila beijada por Deus. Somente o humilde, abraçar com gratidão o seu húmus, sua humanidade, sua fragilidade, sua sombra, experimentando com gratidão o Deus de Jesus.

 

Em cada santo dorme um pecador, e não reconhecer isso conduz ao farisaísmo e ao moralismo; mas em todo pecador dorme também um santo, e não o perceber supõe um empobrecimento humano, desesperança e vazio.

 

O perfeccionista, o ser humano puro e sem defeitos, não existe. É Deus que vem gratuitamente a nós. O caminhopara Deus passa pela limitação e a fragilidade, pelo fracasso e pela decepção consigo mesmo. Quem se exalta a si mesmo, mais cedo ou mais tarde terá de confrontar-se com suas “sombras”, e tomar consciência de sua condição humana e terrena, de seu “húmus”.

 

Quem mergulha em sua condição humana e terrena e se reconcilia com ela, este sim, está “subindo” para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.

 

Na parábola mencionada, os dois personagens correspondem a dois aspectos de nossa própria pessoa. Em cada um de nós há um eu prepotente, que se considera justo, e “outro eu” pobre, limitado e envergonhado da sua realidade, mas confiante no amor gratuito de Deus. Quem abraça sua frágil realidade, começa a viver em gratuidade e em gratidão. Deus é bom!

 

É justamente a partir da consciência de nossa pobreza e que poderemos nos abrir à experiência da gratuidade da graça divina.

 

Segundo a espiritualidade que parte do “chão da vida”, ali pode estar a maior de todas as chances, ali pode estar também nosso tesouro. É ali que entramos em contato com nossa verdadeira essência. E é ali que alguma coisa poderá ganhar vida e desabrochar.

 

Dorotéo de Gaza disse certa vez: “Teu entulho seja teu melhor pedagogo”. Onde caímos e nos deparamos com nossas fraquezas pessoais é que nos tornamos abertos para Deus. Na nossa fraqueza Deus se faz presente e os anima.Deus nos educa também através de nossos fracassos e escombros.

 

Este é o caminho da espiritualidade que brota do húmus: descobrir novas possibilidades de vida e de encontro com Deus. O Amor de Deus se mistura com nosso pobre amor, de modo que os dois se tornam um.

 

Eis a verdadeira espiritualidade!   

 

 

Um comentário:

  1. Muito bom o Adroaldo. Está citação de Doroteo de Gaza é muito significativa: "que teu entulho seja teu pedagogo".

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